A história de Nova Friburgo não pode ser entendida se não ampliarmos nosso campo de pesquisa para uma região mais ampla. Refiro-me a análise da história regional compreendendo os atuais municípios de Cantagalo, Bom Jardim, Sumidouro, Duas Barras, entre outros. Foram municípios muito mais importantes do que Nova Friburgo, do ponto de vista econômico, no século 19. Dessas regiões saiu a nobreza fluminense, os barões do café, a exemplo do Barão de Nova Friburgo, Barão de Cantagalo, Barão de Duas Barras, Barão de Rimes, entre outros. Por isso, a matéria de hoje, celebrando o mês de aniversário de Nova Friburgo, tem como objetivo chamar a atenção para a importância da história regional, pois tanto a grandeza quanto a decadência desses municípios tiveram impacto direto sobre a história econômica, social e política de Nova Friburgo.
Toda essa região denominava-se Novas Minas das Cachoeiras de Macacu, desbravada inicialmente, ao final do século 18, por garimpeiros originários de Minas Gerais em busca de ouro. Em 1787 é fundado o arraial de Cantagalo, destinado a servir de núcleo de controle, fiscalização e prospecção das lavras de ouro da região. Como as lavras de ouro dos afluentes dos rios Negro, Macuco e Rio Grande fossem pouco significativos, a Coroa Portuguesa recomendou que os sesmeiros voltassem suas atividades à agricultura com o plantio do café, açúcar, lavoura branca (milho, arroz, feijão, de ciclo curto) e na criação de gado. Foram distribuídas inúmeras sesmarias sobre as terras devolutas e assim, ao longo do século 19, surgiram novos povoados, todos eles fazendo parte da Magna Cantagalo. Ao longo desse século esses municípios foram se emancipando gradativamente de Cantagalo, como foi o caso de Nova Friburgo. Por outro lado, Bom Jardim e Sumidouro também já fizeram parte de Nova Friburgo e se emanciparam. Daí a importância de se conhecer a história regional. Nesse artigo, o objetivo é tratar especificamente de um importante distrito de Itaocara, o distrito de Laranjais, que abrigou uma das maiores usinas de produção de açúcar e derivados: O Engenho Central Laranjeiras.
O Engenho Central do Rio Negro, em estilo vitoriano, foi construído no último quartel do século 19 e suas instalações foram perfeitamente preservadas por seus proprietários ao longo dos anos. Há referência no jornal O Friburguense de que Galdino do Valle foi acionista do engenho na gestão dos ingleses e que em 1893, a usina recebeu imigrantes chineses, os “chins”. Os ingleses montaram um engenho “central” que tinha essa denominação porque centralizavam a produção de açúcar da região objetivando melhorar a qualidade do produto brasileiro para exportação. O engenho adquiria a cana de terceiros in natura, ou na forma de melaço ou de rapadura. Muitos fornecedores preferiam vender ao engenho a matéria-prima em forma de melaço ou de rapadura devido ao custo do transporte. Ao invés de dar várias viagens em carro de boi para entregar a cana ao engenho, davam-se menos viagens para entregar o melaço e muito menos ainda para entregar a rapadura, pois essa última era mais concentrada. No entanto, em 1896, o Engenho Central do Rio Negro faliu e foi a leilão na Comarca de Nova Friburgo. Faltam pesquisas para se saber o motivo da falência e quem eram esses ingleses. O coronel Luiz Corrêa da Rocha arrematou o engenho na ocasião. Filho de um grande proprietário de terras, o pai de Luiz Corrêa da Rocha chegou a possuir 25 fazendas no noroeste fluminense, mas vendeu a maior parte delas devido à má administração de seus negócios. Corrêa da Rocha teve quatro filhos, três mulheres e um filho homem. Foi seu filho Péricles quem deu um grande impulso econômico ao Engenho Central Laranjeiras transformando-o em uma grande potência econômica no noroeste fluminense, como veremos adiante. Engenheiro, Corrêa da Rocha trouxe um grande mestre de açúcar de Campos, Henrique Laranja, e desenvolveu o açúcar cristalizado, extraindo um açúcar mais claro, com uma granulação uniforme. Fabricava igualmente cachaça. Até então, o Brasil produzia na maioria das usinas açúcar mascavo e sem qualidade. Corrêa da Rocha tinha sua base e domicílio em Bom Jardim e por isso só vinha ao engenho de três em três meses. No entanto, tinha controle absoluto de seus negócios. Acompanhado de seu guarda-livros quando inspecionava o engenho, fazia o balanço da lavoura de cana, da “lavoura branca” e da criação. Percorria todo o “quintal”, como se dizia à época, antes de entrar no setor de moagem e produção. Cada gleba de morro tinha uma denominação, a exemplo do Morro Boa Esperança, e em cada um deles um administrador responsável. Ali se definia quanto iria se plantar de cana. O guarda-livros anotava e aquele trato virava um compromisso entre o administrador e o engenho. Era assim que se fazia estimativa da produção. Em Bom Jardim, Corrêa da Rocha foi proprietário de uma torrefação produzindo o Café Luco, onde “Lu” é de Luiz e “Co” de Corrêa.
O sucessor natural de Corrêa da Rocha foi seu filho Péricles Corrêa da Rocha que administrou o Engenho Central Laranjeiras no período de 1930 a 1956. Advogado, prefeito duas vezes em Bom Jardim, deputado estadual e federal foi cassado na Revolução de 30 e a partir de então teve sua carreira política encerrada. Voltou-se assim para a administração do Engenho Central Laranjeiras que herdara sendo o grande modernizador da usina. Péricles substituiu as moendas primitivas e aumentou a quantidade delas, ampliando inicialmente a produção da usina para 400 toneladas de moagem de cana por dia. O maquinário era francês, pois esses detinham a tecnologia do açúcar. A partir de 1932, o maquinário passou a ser americano. Péricles adquiriu novas terras aumentando o plantio de cana própria e mudou a relação com os fornecedores de cana, melaço e rapadura, não se sujeitando mais às condições dos mesmos, que a vendiam a seu alvitre deixando muitas vezes o engenho sem matéria-prima. Um grande avanço empreendido por Péricles foi a construção de uma hidrelétrica, gerando energia própria. Além de ampliar a produção do engenho, diversificou os seus produtos, pois além do açúcar passou a fabricar éter e álcool farmacêutico. O Engenho Central investiu ainda em 28 km de malha ferroviária própria conectada aos trilhos da Cia. Leopoldina. A malha ferroviária atravessava o Rio Negro e ia até o centro de Valão do Barro, distrito de São Sebastião do Alto. Péricles com seu tino comercial estendeu a linha férrea até o Valão do Barro para negociar com os agricultores das lavouras das margens do Rio Grande. Além disso, Valão do Barro era um grande produtor de fumo, café, arroz, milho e cana.
O Engenho Central Laranjeiras na gestão Péricles chegou a ter 1.500 funcionários. Para tanto, Péricles fez o arruamento no entorno do Engenho Central, criando ruas e construindo residências ao redor da sede do engenho para habitação dos seus funcionários, num total de 149 casas. Havia a Rua do Cinema, a Rua da Horta, a Rua “É com esse que eu vou”, a Rua Beija Flor, entre outras. Era um “correr de casas”, conforme denominavam à época. A sociabilidade dos funcionários não foi desprezada. Um cinema foi construído em 1946, com 300 lugares, um clube social para os bailes e uma banda de música formada pelos mecânicos da usina. Na área da assistência social foi igualmente construído um hospital com 22 leitos e uma farmácia. O Engenho Central Laranjeiras era auto-suficiente. Possuía uma grande lavoura de inhame, mandioca, legumes e hortaliças e colhia-se e pilava-se o arroz. Matava-se até oito bois por dia para o açougue, utilizando todo o subproduto do boi para fazer sabão, e criavam-se porcos. As prestações de serviços também não faltavam a exemplo de um sapateiro que há quase um século tem até hoje sua lojinha no mesmo local. A auto-suficiência era tamanha que além de confeccionarem o tecido do saco do açúcar, o algodão do tecido era igualmente plantado no engenho.
Essa prosperidade atraiu algumas famílias de negociantes libaneses que residiam em Nova Friburgo, a exemplo dos Sarruf, Nacif e Nagib, que instalaram comércio em Laranjais. Afinal, todos queriam vender para os 1.500 funcionários da usina. Mas a maior excentricidade e prova da grandeza do Engenho Central Laranjeiras foi a autorização da Casa da Moeda para emissão de uma moeda própria, para circulação interna em Laranjais. Denominavam de “dinheiro próprio”. O objetivo era que o dinheiro circulasse somente por Laranjais e evitasse a sua evasão. A administração do engenho pagava aos funcionários em “dinheiro próprio”, no todo ou em parte. A moeda era quadradinha com a seguinte inscrição: Engenho Central Laranjeiras. O “dinheiro próprio” circulou ainda em papel moeda, mas o que predominava era em metal. Não havia câmbio. Segundo Marcelo Graça, atual proprietário do Engenho, era mais vantagem trabalhar com o “dinheiro próprio”, pois os negociantes de Laranjais adquiriam com essa moeda produtos que a administração do engenho trazia da Aduana a preços mais baratos, já que não pagavam impostos, como bicicletas, tecidos, chapéu panamá, bacalhau, etc. Chama-se isso de “arranjo local”. Alguns estabelecimentos de outros municípios também aceitavam a moeda de Laranjais. Depois essa autorização de emissão de moeda foi cassada. Só essa passagem vale uma tese de doutorado para entender o complexo sistema da microeconomia local. Em Bom Jardim, Péricles montou ainda uma fábrica de balas, a Busi, empregando 150 mulheres e a vendeu ulteriormente para a Dulcora. Construiu ainda nesse município a primeira fábrica de ovos de páscoa do Brasil.
De 1956 a1958 a administração do engenho ficou acéfala. Em 1958, Álvaro Luiz Corrêa Graça, em sociedade com um primo, adquiriu de seu tio Péricles e das tias o Engenho Central Laranjeiras. Era a quarta fase da gestão do engenho. Mas os tempos eram outros e veio a crise do setor açucareiro. Segundo Marcelo Graça, filho de Álvaro Graça, o governo militar interferiu na atividade açucareira, criou o IAA - Instituto do Açúcar e do Álcool - e passou a ditar regras. Ainda segundo ele, o governo “passou a ser patrão da usina, dono da usina, era ele quem decidia o preço do açúcar”. Deixou de haver o livre comércio e conseqüentemente a falência de inúmeras usinas. Quando o Engenho Central Laranjeiras encerrou suas atividades em 1972, já haviam falido vinte usinas em Campos, devendo a todo mundo. De acordo com o Dr. Álvaro Graça, “por volta de 1965 e 1970 as grandes usinas foram gradativamente indo a leilão e as famílias tradicionais sendo devoradas. Parecia que havia uma intenção política de tirar o Estado do Rio da atividade açucareira.” Marcelo Graça faz questão de destacar que o Engenho Central não requereu falência, mas encerrou suas atividades tão somente. Nessa ocasião, o engenho moía entre 800 e 1.200 toneladas de cana por dia. Era uma grande usina na década de 70.
Quando o Engenho Central encerrou suas atividades muitos de seus funcionários foram trabalhar nas indústrias de Nova Friburgo, a exemplo das Rendas Arp, Ferragens Haga e metalúrgicas em geral. Era uma mão de obra especializada em fundição e mecânica. Em Nova Friburgo, dava-se preferência a quem trabalhara no Engenho Central Laranjeiras. Quem tivesse registro na carteira de trabalho impresso Companhia Engenho Central Laranjeiras tinha emprego certo: “Isso porque sabem que é rassudo. Porque quem nasce numa usina de cana de açúcar não pode ser malandro”, afirma Marcelo Graça. Ainda segundo ele, “Friburgo inchou e quem inchou Friburgo? Foi o noroeste fluminense. O noroeste fluminense de 1850 era o celeiro alimentar do Rio de Janeiro. Miracema foi o município maior plantador de arroz do Brasil até 1920, aproximadamente. Hoje não produz nem um saco. As linhas férreas viviam carregadas. A madeira de lei do Rio de Janeiro saía daqui(...) O sul do Estado do Rio era pobre, Resende era pobre. Em 1900, o noroeste fluminense era um lugar rico e por que não voltar a ter investimento aqui? Foi o berço da civilização fluminense. Foi mais desenvolvida muito antes do Vale Médio do Paraíba[se refere ao cultivo do café]. O noroeste fluminense tinha lavoura branca [milho, arroz, feijão] que alimentava a Corte. O ciclo do café de Valença até Vassouras foi depois, de 1840 em diante....”
Foram três gerações que se iniciou com o coronel Luiz Corrêa Rocha, originando uma linhagem de usineiros. Atualmente as instalações do Engenho Central Laranjeiras estão sendo adaptadas para a construção de uma fábrica de papel que possibilite trabalhar com qualquer tipo de matéria-prima, seja ela reciclada ou virgem. Inicialmente serão gerados 92 empregos diretos. Depois da diáspora dos funcionários do Engenho Central Laranjeiras para Nova Friburgo, devido a crise do setor açucareiro na década de 70, a situação se inverte. Existem nesse momento 30 homens que residem em Friburgo, de famílias do Engenho Central Laranjeiras, trabalhando na instalação da nova indústria de papel. Nós estaremos “descarregando Friburgo um pouco”, diz Marcelo Graça, triunfante.
NOVAS LUZES SOBRE A HISTÓRIA DO
ENGENHO CENTRAL LARANJEIRAS
Na matéria “Engenho Central Laranjeiras – Uma linhagem de Usineiros”, publicada em AVS, escrevi que o Engenho Central do Rio Negro havia sido construído pelos ingleses, no final do século 19, de acordo com a declaração de Marcelo Corrêa Graça, descendente dos usineiros. Dando prosseguimento a minha pesquisa, novas luzes são jogadas sobre a sua história. Em determinada documentação constatamos que o Engenho Central do Rio Negro possuía outros proprietários, como veremos adiante. No final do século 19, muitos cafeicultores de Cantagalo encontravam-se falidos. As terras cansadas depois de décadas de contínuas e ininterruptas colheitas de café, tornaram seus cafezais improdutivos. A abolição da escravidão jogou uma pá de cal sobre os já falidos barões do café fluminense. Os Clemente Pinto, da família do Barão de Nova Friburgo, libertaram seus escravos um pouco antes da Lei Áurea no afã de conservá-los a seu serviço. No entanto, os Clemente Pinto, ao final do século 19, já haviam perdido quase todo o seu patrimônio. Mantiveram tão somente a Fazenda Areias, que ficou com o 2° Barão de São Clemente e a do Gavião, onde veio a falecer o Conde de Nova Friburgo em 06 de agosto de 1914, financeiramente arruinado, nos informa Clélio Erthal em “Cantagalo – Do surto da pecuária à industrialização do calcário”. Presume-se que os Clemente Pinto, com suas terras já esgotadas pelas colheitas contínuas do café tenham pretendido diversificar os seus negócios. E assim o foi. Juntamente com outros fazendeiros da região, como a família do primeiro Barão de Duas Barras, montaram um engenho central nos moldes dos que já vinham sendo implantados no sudeste do Brasil. Escolheram, para tanto, a Fazenda das Laranjeiras para a edificação do engenho central.
A Fazenda das Laranjeiras pertencia ao Barão de Nova Friburgo em sociedade com a firma Troubat & Clemente. Era uma fazenda de 500 alqueires, aproximadamente, com parte cultivada, possuindo ainda vasta mata e capoeiras. Havia uma casa de vivenda de pedra e cal, duas enormes senzalas, com um cômodo para feitores, “cozinha de escravos”, um hospital, armazém de pedra e cal para armazenar o café, paióis, casa de engenho “com ripe”, dois ventiladores, moinho “excêntrico” para descascar café, separador, brunidor, engenho de serra, moendas de cana, tachas, alambique, três tonéis, despolpador e um tanque de lavar café. Havia ainda campo valado, terreiros de pedra para secar café e outras “benfeitorias prediais e rurais”. A Fazenda das Laranjeiras possuía duzentos e noventa mil pés de café de diversas idades. Um canavial se estendia por três alqueires e meio. Os Condes de Nova Friburgo e de São Clemente estabeleceram uma sociedade com José Clemente Pinto, Elias Antonio de Moraes, o 2° Barão de Duas Barras, sua irmã D. Felizarda Lopes de Moraes, Basilia Rodrigues de Moraes, Galdino Antônio do Valle, Jacob van Erven, entre outros. Por volta de 1884, inauguraram na Fazenda das Laranjeiras a Companhia Engenho Central Rio Negro. O Almanak Lammert de 1886 faz menção sobre o engenho que inicia o seu funcionamento com modernos aparelhos. De fato, pela análise da liquidação do engenho, percebe-se um grande investimento nas instalações daquele empreendimento que centralizaria todo o beneficiamento da cana de açúcar cultivada no Centro-Norte Fluminense.
No entanto, inexplicavelmente, decorridos cinco anos de sua fundação, a Companhia Engenho Central Rio Negro inicia um processo de falência. Em 1889, por deliberação da assembleia geral dos seus acionistas foi requerida a sua liquidação forçada, declarada em juízo. Em razão da insolubilidade da Companhia Engenho Central Rio Negro foi decretada a sua liquidação judicial. A sua falência coincide quase com o fim da escravidão no Brasil, mas seria ingenuidade imaginar que homens tão industriosos não percebessem quando da fundação do engenho que o trabalho cativo estava com os seus dias contados. Em 1893, quando corria em Cantagalo a liquidação da sociedade anônima Engenho Central Rio Negro, curiosamente nesse mesmo ano, há referência no jornal O Friburguense de que o engenho recebia imigrantes chineses, os “chins”. Teria sido o problema da mão de obra o motivo da falência do Engenho Central Rio Negro? Parece que não. Em 1896, a Companhia Engenho Central Rio Negro foi adquirida pelo engenheiro Luiz Corrêa da Rocha, filho de um rico fazendeiro da região, que tinha sua base em Bom Jardim. Com Luiz Corrêa da Rocha o Engenho Central do Rio Negro iria se reerguer e prosperar. Logo, não justifica o problema da mão de obra. O engenho passou a chamar-se Engenho Central Laranjeiras. O filho de Corrêa da Rocha, Péricles Corrêa da Rocha, que administrou o engenho no período de 1930 a 1956, daria um grande impulso econômico à empresa, colocando-o entre os maiores engenhos do país. Em 1958, Álvaro Luiz Corrêa Graça adquiriu de seu tio Péricles Engenho Central Laranjeiras. No entanto, por problemas financeiros o Engenho Central Laranjeiras encerrou suas atividades em 1972, interrompendo uma linhagem de usineiros de três gerações e de quase um século de existência.
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