A Mata Atlântica
No alvorecer do século XIX, os Sertões do Macacu, região serrana do Estado do Rio de Janeiro era uma floresta virgem. Um indevassável labirinto vegetal onde a mata cobria tudo. O sol mergulhava os dedos luminosos penetrando apenas oblíquos jorros de luz catedralescos. Quem por ali se atreva, tranca-se no mais tenebroso labirinto. Escutam-se rumores de seres que rastejam, que escorregam, que esvoaçam. Zumbidos de insetos fuzilantes, longínquos pios de nhambus, de jaós, de juritis, algazarras de papagaios, de araras, de maritacas, de maracanãs e de arapongas. Perfumes de folhagens, de flores, de cascas, de resinas e hálitos de galhos e troncos putrefatos que estalam e se esfarinham sob os pés, inumando-se no próprio ventre da floresta. Receia-se a emboscada do índio e da onça na penumbra. A floresta é um verde turbilhão a contorcer-se em convulsões genéticas. Por isso mesmo é ela o caos impenetrável, a confusão promíscua dos elementos e cósmicas transmutações originais. Investe o homem cautelosamente, pois em cada moita há um perigo latente. Troncos roídos onde o jararacuçu se enrosca. Folhas e espinhos que queimam. Entre nela o inexperiente incauto e logo verá toda a agressividade com que o repelem. Não são os grandes troncos, os altaneiros gigantes que o amedrontam, mas a arraia miúda, solerte e vigilante. Tudo se atira contra o violador intruso que ali vai perturbar o equilíbrio ambiental de milênios. Armas invisíveis investem de todo lado e terrivelmente acossam o invasor. A vegetação rasteira lhe impede a marcha aos tropeções. A preparoba, a buta, o jacaratiá, a negramina, a quina-cruzeiro, as próprias samambaias estorvam-lhe os passos hesitantes. Enroscam-se-lhe os cipós nas pernas e o lançam pelos braços. O homem recua, abre o caminho a facão, mas agulhas e ganchos o espetam e o imobilizam. Contra essas formas que o enrodilham, o fisgam e o amarram, o homem desesperadamente se debate. Há os cipós que simplesmente o embaraçam como o imbê, o suma, a abóbora-d´anta, o cruzeiro, o cipó-fogo, o olho-de-boi, o caboclo ou cipó-brasa e o mata-pau enroscando-se aos troncos como serpentes, sugando-os, matando-os, e já então solidamente enraizados substituem a árvore que digeriram. O cipó-mico junta-se à perigosa horda dos arbustos tremendamente cáusticos como a urtiga, o urtigão, o mangangá e o arre-diabo cujo nome exclama a dor da pavorosa queimadura de quem o toca. Adicione-se a tudo isso os caules e hastes espinhentos que no chão ou no ar lhe barram a caminhada ou que se inclinam para o agarrar: o ananás-pedra, a unha-de-gato, o gravatá, a airi e o côco-roxo, o espinhão, o jaquitá, o icê, o pega-onça, o taquaruçu e outros meios de defesa com que a floresta se atira contra o devassador. Verificamos nesse cenário a luta com que a natureza virgem repele o homem. Em meio a todo esse turbilhão, elegantemente sobem as palmáceas inofensivas como o côco-doce, o pati, o corrupicho, a pindoba, o côco-preto, como que deslocados e perdidos na brutalidade de uma selva em que domina à força e à emboscada. Ai do desprevenido que se aventure nessa floresta. Para todos os lados que se vire é a mesma agressividade inelutável, os mesmos aspectos que se repetem e o desorientam, a mesma fereza do matagal que o rodeia, o ataca e o encarcera. Ai do prisioneiro da selva. Através desse brilhante texto de Alberto Ribeiro Lamego podemos entender o porquê as duas primeiras gerações de colonizadores portugueses não conseguiam penetrar com segurança na floresta e precisavam dos indígenas como guias. A Mata Atlântica com sua vegetação diversificada estende-se desde o Nordeste até o Rio Grande do Sul. As plantas e os animais dessa mata eram raros e muitos deles não seriam encontrados em nenhuma outra floresta. Entre suas espécies arbóreas, mais da metade era endêmica, só existindo nessa região. Diversos locais dessa mata eram centros de endemismo de pássaros, mamíferos, répteis e insetos. Certos beija-flores, sanhaços, marsupiais, preguiças, sagüis, pererecas, patiobas e inúmeros outros animais estão limitados à Mata Atlântica. Dois terços dos nomes das árvores e praticamente de todos os seus animais são de origem tupi-guarani. Existiam árvores de 35 metros de altura ou mais. Uma única copa de árvore poderia abrigar mil espécies de insetos e a Mata Atlântica como um todo pode ter abrigado um milhão delas. A serra fluminense, com suas vastas florestas primárias do tipo mesófila, características do bioma conhecido como Mata Atlântica foi poupada até o terceiro quartel do século XVIII. No entanto, a partir das duas últimas décadas deste século, a floresta será vítima do machado e do fogo do homem branco colonizador.
O desbravamento dos sertões
Sertões do Macacu, assim era conhecida a serra fluminense situada na parte setentrional do vale do rio Paraíba do Sul. A serra do Mar, que compreendia toda a vertente interior das serras da Boa Vista, dos Órgãos, Macabu e Macaé, era coberta por uma densa floresta inexplorada, ainda que próxima do litoral. O desmembramento dessa região vai dar origem aos municípios de Cantagalo, Nova Friburgo, Cordeiro, São Sebastião do Alto, Itaocara, Carmo, Sumidouro, Duas Barras, Bom Jardim, Trajano de Moraes, Santa Maria Madalena e Teresópolis. A carta topográfica da Capitania do Rio de Janeiro de 1767 indicava ser um sertão ocupado apenas por indígenas bravos, ou seja, não aldeados e consequentemente não “civilizados”. No final do século XVIII, como a extração de minérios preciosos em Minas Gerais já apresentava sinal de declínio, garimpeiros atravessam a Zona da Mata mineira clandestinamente e se dirigem para os sertões do Macacu. Iniciam a garimpagem do ouro de aluvião nos rios Grande, Negro e Macuco, bem como de seus afluentes. Ao abrigo da floresta puderam lavrar sorrateiramente durante muitos anos pintas de ouro na região. Tomando conhecimento do garimpo clandestino, as autoridades governamentais prendem o bando de faiscadores e o descoberto do ouro chama a atenção da Coroa Portuguesa para os sertões do Macacu. Foi instalada a Casa do Registro do Ouro, distribuindo-se datas de terras aos que desejassem faiscar. A Coroa recebia o quinto, ou seja, 20% do que fosse extraído da garimpagem. O povoamento desses sertões ocorre oficialmente a partir de 1786. Porém, no decorrer de alguns anos verifica-se que o ouro extraído dos rios mal dava para pagar os oficiais e os soldados do registro. Consequentemente, o governo desinteressa-se pela mineração. O povoamento tem continuidade com a distribuição de sesmarias para os indivíduos que tivessem condições econômicas de se afazendar como lavradores e que consistia basicamente em possuir escravos para o amanho da terra. Os sesmeiros derrubam a mata para a extração da madeira, plantam suas roças em pequenas clareiras e alguns estabelecem engenhocas para a fabricação de açúcar. Era o primeiro passo para a exploração da terra. São derrubados os primeiros gigantes da floresta como o jacarandá, o pau-rosa e a ipecacuanha. Nessa região de encostas íngremes e planícies apertadas inicia-se o plantio de milho, da cultura do feijão, da mandioca, criação de galinhas e de porcos. Esses produtos são exportados para o Rio de Janeiro através de tropas de mulas que desciam a serra da Boa Vista até atingir o porto fluvial de Porto das Caixas, hoje município de Itaboraí. Dali as mercadorias seguiam em barcos pelos rios Macacu e Caceribu que deságuam na Baía da Guanabara, rumo ao Rio de Janeiro. Os sertões do Macacu ganham o predicado de município em 1814, com a denominação de São Pedro de Cantagalo. A distribuição de novas sesmarias pela Coroa portuguesa atrai indivíduos da capitania de Minas Gerais, de portugueses da Ilha da Madeira e dos Açores. Cantagalo abriga a primeira tentativa oficial de colonização por meio de imigrantes não portugueses. A região de maior altitude, próxima a serra da Boa Vista é escolhida por ter o clima semelhante ao europeu, facilitando a aclimatação dos colonos. O seu desmembramento dá origem ao município de Nova Friburgo, estabelecendo um distrito para os colonos suíços e depois alemães. A região atraía igualmente muitos posseiros que se instalavam na fronteira com os latifúndios. Nos primeiros vinte anos após a independência, o Brasil atravessa dificuldades econômicas. O açúcar de beterraba introduzido no mercado mundial precipita o Nordeste em uma crise e a produção algodoeira norte-americana conquista os mercados, antes sob o controle do Brasil. No horizonte uma esperança se aproxima o café, que irá substituir o açúcar e o algodão na exportação. Nativo da Etiópia, o café já vinha sendo plantado em pequena escala já na primeira década do século XIX, em Cantagalo. Em meados daquele século se tornaria o principal produto de exportação no Império. E assim, os arbustos da família das rubiáceas vão tomando paulatinamente, o lugar dos gigantes da Mata Atlântica.
A hecatombe da Mata Atlântica
A serra fluminense foi mantida até o século XIX como uma das mais selvagens e desconhecidas regiões, ainda que próxima do litoral. Mas floresta era um obstáculo a ser superado, um entrave no caminho da civilização, ou mais precisamente do seu modelo civilizatório. Naquele momento, a ideia de civilização passa ser confundida com a necessidade de conquista e sujeição da natureza. Remover a floresta significava uma espécie de símbolo da construção do mundo civilizado. Para o colonizador português preparar o solo para a lavoura significava derrubar toda a floresta, abrindo espaço para a implantação de culturas em campo aberto. Depois da extração do ouro de aluvião nos afluentes dos rios Grande, Negro e Macuco seguido do plantio de alimentos, iniciam-se as primeiras experiências com o plantio do café na serra fluminense, já na primeira década do século XIX. A presença de florestas tropicais com solos cobertos de humos era considerada como um indicador de fertilidade para os terrenos, o que tornava viável a produção cafeeira. Latifúndios se estendem pelas vargens, chapadas, socavões e montanhas. Sobre toda a imensidão da mata, picadas retalham os latifúndios e os lavradores atiram-se à derrubada da floresta. Foi penosa e lenta a infiltração nesse meio montanhoso e enflorestado. Para derrubada da mata, o colono português aprendeu com o índio o método da coivara. Trata-se de uma técnica de cultivo dos povos ameríndios caracterizada pela queima da mata, mas em pequena escala, conhecida como agricultura de coivara. Porém, foi apropriada indevidamente pelos lavradores que queimavam grandes extensões da mata de seus latifúndios. Este método predatório estava associado à ideia da eterna existência de uma nova fronteira agrícola a ser aberta. A queimada era uma tarefa perigosa e demandava técnica e conhecimento. Saber o momento oportuno exigia experiência, para que não fosse feita com muita ou pouca antecedência em relação às chuvas. Não poderia ser intensa demais para que não chamuscasse a camada rasa e fértil de humos, mas que não fosse tão superficial que não produzisse cinzas suficientes para neutralizar o solo ou que o deixasse ileso dos insetos. Nos meses frios de maio, junho e julho perto do fim da estação seca, camaradas eram contratados para a derrubada da mata. Com o machado em uma das mãos e o tição na outra, trabalhando de baixo para cima a partir da base da montanha, brandiam os machados sucessivamente contra cada árvore talhando até que o tronco, ainda inteiro, tremulasse com a iminência de sua queda. Os trabalhadores iam subindo, cortando um e depois outro tronco, cada vez mais acima, até que se chegasse ao cume da montanha. O capataz experiente decidia qual a árvore mestra, o gigante, seria cortada até o fim arrastando consigo todas as outras. Se fosse bem sucedido, o sopé inteiro desabava com uma tremenda explosão levantando uma nuvem de fragmentos, de bandos de papagaios, de tucanos e de aves canoras. Os trabalhadores festejavam, pois se o capataz errasse e apenas umas poucas árvores caíssem, teriam de descer entre as árvores cambaleantes e derrubá-las uma a uma. Nesta tarefa de abatê-las individualmente ocorriam geralmente muitos acidentes fatais. Por isso, os escravos eram poupados desta atividade já que os proprietários temiam perder as suas “peças”. Uma faixa de floresta, um hectare mais ou menos, era cortada e deixada secar, e, por meio de machados, retirava-se o anel da casca dos troncos das árvores maiores. Um pouco antes da chegada das chuvas, todo o amontoado de floresta derrubada era incendiado. A vegetação ressecada saltava em labaredas com rugido e espocar, soando como disparos de espingarda. Subia um turbilhão de fumaça para o céu fazendo com que a enorme quantidade de nutrientes da biomassa caísse sobre a terra na forma de cinzas. O fogo ardia durante dias e depois fumegava por muitos outros. Chegavam, por fim, as chuvas, que adicionavam ao esterco gorduroso do humos e do solo os nutrientes liberados do rico leito das cinzas. As chuvas drenavam os nutrientes para o interior do solo, neutralizando-o e ao mesmo tempo fertilizando-o. O vale do Paraíba parecia infernal ao final das estações secas, com centenas de incêndios nos latifúndios. Na metade do século, à medida que se acelerava a derrubada da Mata Atlântica para o plantio de arbustos de café, uma nuvem amarelada pairava sobre a serra fluminense durante as queimadas, obscurecendo o sol de dia e apagando as estrelas à noite. Os viajantes ficavam surpresos diante da bruma que limitava a visibilidade dos topos das montanhas e que encurtava o fôlego, provocando uma sensação de fadiga. As mais preciosas madeiras incineravam numa hecatombe da fauna e da flora devoradas pelas chamas.
O café marcha como um soldado patriota
Um novo produto de plantation tropical inicia um assalto sobre a densa cobertura florestal da serra fluminense, situada sobre o relevo de mares de morros no vale do rio Paraíba do Sul. Contrariamente à cana-de-açúcar, amiga das várzeas, dos aluviões e das grandes planícies, o café é por excelência um trepador de morros, um inveterado escalador de serras. É ele que arrasta o homem para as altitudes, para o clima próprio à sua máxima frutificação. Os morros meias-laranjas estariam em pouco mais de meio século quase completamente coberto por cafezais. Na serra fluminense, a ofensiva do café contra a floresta foi acelerada, nada deixando em seu rastro além de montanhas desnudadas. Calcula-se que entre 25.000 km2 e 30.000 km2 de cobertura florestal primária de Mata Atlântica, nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais tenham desaparecido para dar lugar ao cultivo de café. Novas estradas, vendas, pousos, capelas e paróquias surgem a cavaleiro das ondas verdes do café que seguem em marcha como soldados patriotas até o cume das montanhas, transformando a passagem. Inúmeras propriedades rurais começam a surgir onde outrora fora a selva. A província fluminense com o seu escol de barões do café salva o Brasil do desastre econômico no Império. Os fazendeiros fluminenses afidalgaram-se adquirindo títulos nobiliárquicos vindos a integrar a nobreza do Império. Depois da retirada da mata fazendo uso da queimada, os escravos removiam o entulho e preparavam as covas para o plantio do café nas encostas mais altas da propriedade. As mudas de café, após o plantio, levam em média cinco anos para atingir a maturidade, quando então começam a produzir em escala comercial. A partir daí, sua capacidade produtiva se mantém por um período que varia entre vinte e cinco a trinta anos. As mudas eram plantadas em linhas retas, perpendiculares aos pés dos morros e dispostas em fileiras verticais com um espaço aproximado de dois a três metros entre cada uma delas. Essa forma de plantio era extremamente inadequada às condições climáticas da região, que é marcada pela presença de fortes chuvas torrenciais. Plantar pés de café de forma enfileirada no sentido vertical das encostas provocava forte erosão nos terrenos das propriedades, tornando os solos improdutivos. Segundo os historiadores, essa prática agrícola era explicada para facilitar o trabalho dos feitores na sua tarefa de exercer melhor o controle do trabalho dos escravos. O movimento contínuo das lavouras, com a ocupação de novas áreas de florestas dos latifúndios, associado a exploração da mão-de-obra escrava era a forma de se reduzir os custos da produção. O tempo de vida útil de um escravo empregado na lavoura era de aproximadamente dez anos, o que não chegava a ser encarado como prejuízo pelo fazendeiro. Considerava-se que após dois anos de trabalho o escravo já teria pago o seu custo de aquisição. A grande propriedade fundiária estimulava a manutenção de práticas agrícolas insustentáveis no Brasil oitocentista. A possibilidade de plantar em outros terrenos não causava preocupação para os grandes fazendeiros, já que podiam contar sempre com novas terras cobertas com florestas primárias. A ideia da natureza como inesgotável e eternamente fonte provedora de recursos, não dava margem para a adoção de qualquer tipo de cuidado com a sua preservação. Via-se a Mata Atlântica como um universo que jamais se consumiria. Era cômodo abandonar as antigas lavouras desgastadas e apropriar-se de novos terrenos. A imagem de uma terra sempre disponível para o avanço da produção minimizava a importância do cuidado ambiental. À medida que os solos agrícolas tornavam-se estéreis, a fronteira avançava em direção às florestas. Sustentabilidade é a capacidade de um grupo de fazer uso dos recursos da natureza, sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de continuar a utilizá-los. Não era essa a mentalidade dos cafeicultores quando iniciaram a plantação de café na serra fluminense. Técnicas como a aragem e o plantio em curvas de nível para manter a fertilidade dos solos cultivados eram conhecidos naquela época. Por que então os lavradores de café não tiveram este cuidado? Uma das explicações para esta negligência pode estar relacionada à ideia da grande extensão dos latifúndios, com a possibilidade de ir plantando em novos terrenos quando o cultivado estivesse esgotado. Colheram sem nunca cessar, sem nunca indenizar à terra os frutos que dela retirava. Tirar e nunca repor!
De floresta tropical à savana
Uma das muitas funções da cobertura florestal é a de amortecimento e distribuição das águas das chuvas. Quando a floresta é retirada, o fluxo de escoamento da água é aumentado, favorecendo o processo de erosão. A camada superficial dos solos das encostas, onde se localiza o humos florestal, quando expostos diretamente à ação de chuvas mais intensas são arrancados e carregados morro abaixo. A erosão provocada por este processo acabava expondo as raízes dos cafezais e matando os arbustos. Outra consequência deste fenômeno era o acúmulo de sedimentos nas várzeas, que ocasionava o assoreamento dos rios e córregos que estivessem próximos às plantações. Ainda que o plantio em curvas de nível já fosse conhecido, os fazendeiros optaram pelo cultivo predatório. A exaustão e a erosão dos solos fazia com que os produtores de café se vissem obrigados a abandonar suas plantações depois de, aproximadamente, 20 a 25 anos já que os solos tornavam-se pobres em nutrientes e os cafezais sem vitalidade. A ideia de abundância de terras nos latifúndios fazia com que fossem considerados desnecessários quaisquer esforços no sentido de preservar os campos utilizados. Por esta lógica, era mais lucrativo derrubar novas extensões de florestas primárias do que destinar tempo de trabalho para a recuperação ou preservação da fertilidade dos solos já utilizados na lavoura. Depois de abandonados, os terrenos ocupados pelos antigos cafezais eram tomados pela erosão ficando quase toda a área coberta por uma vegetação pobre de gramas, capins e samambaias. Os impactos ambientais causados pela lavoura cafeeira tornavam-se gradualmente nítidos, a partir da segunda metade do século 19. A questão da técnica de sombreamento dos cafezais e da adubação dos terrenos foi tratada naquela ocasião por artigos em que são ressaltadas as vantagens de se plantar as mudas de café ao abrigo de árvores maiores que lhes proporcionassem sombra. Não faltaram obras escritas criticando o comportamento da “rotina”, que consumia os recursos do meio físico de forma não sustentável. Sugestões como processos de adubação, que permitiriam um aproveitamento mais duradouro das áreas cultivadas foram igualmente apresentados. Logo, informação era o que não faltava. As críticas à rotina do cultivo do café, com sua prática insustentável ganharam um razoável espaço na sociedade sem, contudo, serem capazes de provocar mudanças na conduta dos grandes cafeicultores. A estrutura fundiária baseada nos latifúndios impediu que se preocupassem no trato do amanho da terra. A floresta era considerada abundante e com capacidade de exploração ilimitada. No último quartel do século XIX tem início a decadência da produção de café no vale do Paraíba fluminense. O esgotamento do solo, o surgimento de pragas nas lavouras acrescido a abolição da escravidão provocou a falência de inúmeros barões do café. Da opulência à ruína foram perdendo suas fazendas por dívida, em leilões. Em aproximadamente oito décadas os cafezais substituiriam a Mata Atlântica em grande parte da região serrana fluminense, provocando as mais profundas e extensas mudanças ambientais. A antiga diversidade natural do ecossistema foi substituída por uma única espécie de planta, o arbusto de milhares de cafeeiros, que tornou o ambiente muito mais vulnerável aos ataques de pragas e a adversidades climáticas alterando de modo intenso o ciclo hidrológico. A degradação do meio ambiente modificou o regime de chuvas alterando a sua regularidade e gerando períodos de seca, cuja duração leva até oito meses. As gerações futuras pagam um preço caro por essas práticas agrícolas predatórias. Atualmente, o cenário ambiental da região serrana fluminense caracteriza-se por extensas áreas de pastagens com manchas isoladas de capoeiras. Após a rápida passagem do café ao longo do vale do Paraíba, os cascos do gado entelham trilhas em forma de faixas em ziguezague. A introdução da pecuária nas propriedades onde se plantava café aumenta a intensidade do desgaste dos solos. O resultado destas ações é o surgimento de voçorocas e outras formas de erosão, que trazem à paisagem um aspecto de intensa degradação. Nenhum traço da floresta primária restou sobre os morros secos e amarelados da região serrana fluminense. Pode-se afirmar que em um período de 30 a 40 anos, o café mudou irreversivelmente um regime hidrológico típico de uma floresta tropical pluvial para o de uma savana. O vale do Paraíba está na míngua após a fuga do café. Todos os artigos foram adaptados das obras “Ouro, posseiros e fazendas de café. A ocupação e a degradação ambiental da região das Minas de Cantagallo na província do Rio de Janeiro”, de Mauro Leão Gomes e “A Ferro e Fogo” de Warren Dean.
Comments