Nova Friburgo tem algo a dizer no que concerne ao sincretismo cultural. No século XIX, nos boqueirões entre as montanhas, já estavam instalados portugueses provenientes de Açores e da Ilha da Madeira. Nenhum resquício mais dos índios Coroados, Puris e Coropós que habitavam os Sertões do Macacu. O africano, assim como o português, foi um dos primeiros habitantes dessas paragens, na condição de escravos. Chegam os suíços em princípios daquele século, somando-se logo em seguida os colonos alemães. Já no final desse mesmo século muitos italianos imigram para Nova Friburgo, além de portugueses e alguns poucos espanhóis. Os árabes chegam paulatinamente em pequenos grupos familiares e a babel está formada. Foram os árabes que incrementaram a doceria portuguesa. O árabe invasor leva a cana-de-açúcar à península ibérica. Anteriormente, os portugueses utilizavam o mel na confecção dos doces, mas o açúcar abre-lhe novos horizontes, ampliando sobremaneira sua pastelaria. O português trouxe o açúcar para o Brasil e os engenhos desde o período colonial se espraiam pela Terra de Santa Cruz.
Em pesquisa realizada desde o final do século 19, é curioso observar como somente localizamos os doces na vida material do friburguense oitocentista. Açúcar não faltava na região, e certamente da melhor qualidade provido pelo Engenho Central Laranjeiras. Localizado onde hoje é Itaocara, esse engenho centralizava a produção de açúcar adquirindo dos fazendeiros locais a cana in natura, ou na forma de melaço ou de rapadura. Pioneiro à época, desenvolveu um açúcar cristalizado, mais claro, com uma granulação uniforme, já que a maioria das usinas produzia apenas o açúcar mascavo.
O encerramento do calendário escolar das escolas, em Nova Friburgo, naquele fim de século, ocorria na primeira quinzena de dezembro, sendo um grande acontecimento social na cidade. Na sabatina do alunado, familiares e convidados se comprimiam na audiência, já que a avaliação dos discentes consistia em verdadeiros espetáculos. Havia apresentação de peças teatrais e musicais pelo alunado e uma suntuosa mesa de doces era sempre oferecida no intervalo. Nas soirées, forma de sociabilidade o qual as senhoras executavam peças musicais e os homens se destacavam por discursos argutos, um delicado menu de doces era servido em mesas ornadas com belas flores naturais. Em soirée realizada em 1891, o Club Recreativo Friburguense promoveu uma partida dançante o qual compareceu o high-life friburguense. Neste seleto club, a cordialidade e a animação deram o tom da festa, animada pelas valsas. Na ocasião, o repasto com um requintado buffet de licores, vinhos, cervejas, farta doceria e maçãs finas. Como vimos, os pratos salgados estão ausentes. Já no século XX, a memória dos rebuçados de Lisboa e o registro de baleiros apregoando pirulitos de calda queimada pelas ruas da cidade.
A história da alimentação é sempre algo fascinante e tem sido cada vez mais objeto dos historiadores.
Se observarmos, muitas de nossas palavras e expressões são metáforas dos alimentos: “Bacalhau de porta de venda” é um adjetivo para a mulher magra; já “lingüiça”, um homem magro; “banana” é um sujeito tolo, covarde ou amaricado; “É na batata”, acertou no alvo; “biscoitar” é surrupiar; “bofe” é mulher feia ou velha meretriz; “a cachaça dele é a política” significa vício em alguma coisa; “café pequeno”, facilidade; tomar uma “cocada”, um tapa, um bofetão; “comer couro”, ser surrado; “comer calado”, fazer algo pacientemente; “farofeiro”, mentiroso; “galinha” é covarde, pederasta ou mulher lasciva e já “galo” é brigão ou mulherengo; “manteiga” é molenga; “de molho”, em observação; “a sala ficou um ovo”, ou seja, repleta, cheia; “pamonha”, desprovido de iniciativa; “panelinha”, minoria influente; “pão, pão, queijo, queijo”, significa equivalência justa; “pão duro”, avarento; “Está no papo”, coisa resolvida; “pato”, o otário; “peixão”, mulher bonita; “angu-de-caroço”, complicação, bagunça; “descascar o abacaxi”, resolver habilmente a situação; “empada”, preguiçoso; “gostar da fruta”, cachaceiro; “cuscuz”, seios flácidos; “fruta verde”, mocinha; “filé”, moça atraente ou rapaz afeminado; “ganço”, pileque, bebedeira; “cheirando a mangaba”, bêbado; “ponto de bala”, momento de agir; “papa-goiaba”, natural do Estado do Rio de Janeiro; “sal e pimenta”, cabelo grisalho; “tomate”, testículos; “Ora pipoca!”, exclamação de desabafo. A relação é inesgotável e deliciosa, nos ensina Câmara Cascudo em História da Alimentação no Brasil. A colonização portuguesa nos legou a fartura da mesa, que herdou dos quatro séculos de ocupação árabe. A mesa do brasileiro, ainda que pobre, sempre foi farta. Diferentemente de outros povos, não há no Brasil visita que não se regale com um cafezinho e um pedaço de bolo. Dos portugueses aprendemos: Não há prazer, onde não há comer.
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