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Foto do escritorJanaína Botelho

MÃO DE LUVA: AS MANDINGAS DO LUVA DE XOPOTÓ



Em razão da descoberta de ouro em Minas Gerais, em princípios do século XVIII, um alvará proibira a circulação entre a Zona da Mata Mineira e os Sertões do Macacu. A partir de então, foi interditado esse trânsito para que, através dessa divisa, não evadisse clandestinamente o ouro extraído em Minas Gerais pela capitania fluminense. No entanto, os três irmãos Henriques, liderado por Manoel Henriques, conhecido pela alcunha de Mão de Luva, penetram com seus escravos nos Sertões do Macacu e iniciam uma garimpagem clandestina do ouro de aluvião há milênios depositados nos córregos dos Rios Grande, Negro e Dois Rios. Mão de Luva extraiu o ouro de aluvião durante vinte anos, até a década de oitenta do século XVIII, quando o garimpo clandestino foi descoberto. Ele foi preso por ordem do vice-rei D. Luiz de Vasconcellos e Souza.


Manoel Henriques, o Mão de Luva, nasceu na Freguesia de Santo Antônio de Ouro Branco, Bispado de Mariana, em Minas Gerais. Seu banho matrimonial, como era denominado o casamento naquela época, foi com Maria da Silva com quem teve filhos. Mão de Luva tinha aproximadamente 35 anos quando se embrenhou nos Sertões do Macacu com seus três irmãos, esposa, filhos, escravos e vários companheiros para garimpagem clandestina. Portava uma luva no lugar de uma das mãos que perdera quando se metera em uma briga e que lhe valeu a alcunha de Mão de Luva. Quem melhor jogou luz sobre a história do Luva do Xopotó foi o historiador Rodrigo Leonardo de Sousa Oliveira no trabalho acadêmico intitulado “Mão de Luva e Montanha, Bandoleiros e Salteadores nos caminhos de Minas Gerais, no século XVIII”.


Como dito antes, além de uma ação judicial por contrabando, iniciou-se em 1781 uma instrução pelo Tribunal de Inquisição de Lisboa por crimes de heresia e apostasia. No ano seguinte, o Reverendo Bartolomeu da Silva Borges, comissário do Santo Ofício, foi designado pelos Inquisidores Apostólicos de Lisboa a fazer uma diligência no Rio de Janeiro contra Manoel Henriques. Na instrução do processo foi acusado de cometer desacato ao Santíssimo Sacramento por trazer uma partícula ao pescoço que dizia ser consagrada, dando-lhe poderes sobrenaturais. O tribunal desejava saber se ao portar a dita partícula consagrada ao pescoço ignorava o que fazia ou se estava em seu perfeito entendimento. Igualmente em que igreja ou capela o acusado comungava, para que fim cometera tão “horroroso desacato” e por fim, se quando o fizera, estaria embriagado de vinho que lhe pertubasse o juízo. Testemunhas presas nos cárceres por determinação do Tribunal da Inquisição declararam que o acusado fazia uso de arte diabólica para que o seu cavalo saltasse de maneira sobrenatural. Possuía trevos e orações os quais o ajudava a fazer artes e valentias. Fazia uso de uma bolsa que consultava e que lhe dava um sinal se poderia seguir viagem ou não. Tudo quanto Mão de Luva fazia não era natural, mas auxiliado por alguma arte diabólica, declarou uma testemunha. Outra disse que quando Mão de Luva se metia em algum perigo, logo tirava da algibeira uma bolsa volumosa e a lançava ao pescoço. Valendo-se dela, se metia em todos os perigos seguro de que nada o ofenderia. José da Silva Pereira, viúvo, com 38 anos de idade, que vivia de sua lavoura de mandiocas para fazer farinha, testemunhou sob o juramento dos Santos Evangelhos que conhecia muito bem Manoel Henriques, o Luva de Xopotó, com quem conviveu por sete meses em um descoberto de ouro. Ouviu da boca de Manoel Henriques que numa ocasião um governador de Vila Rica quisera ver uma de suas façanhas. Montara em um cavalo passando por cima de algumas casas e caindo em um valo. Do valo, tornou a saltar por cima das casas e se apresentou ao governador que se achava acompanhado de muitas pessoas. Ouviu dizer de Joaquim Lopes, que Manoel Henriques trazia consigo uma partícula consagrada, mas ignorava como a adquirira e de que capela ou oratório era originária. Quando comungava escondia-a no bolso, declarou.


Antônio Barbosa Matos, casado, 33 anos de idade, morador no caminho das Minas Gerais no lugar chamado Cebolas, Freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Inhomerim, que vivia da lavoura de milho e feijão, prestou juramento dos Santos Evangelhos. Declarou que conhecia muito bem Manoel Henriques, chamado o Mão de Luva, com o qual andou dois anos pelo mato. Ouviu da boca de Mão de Luva que praticava magia com seus cavalos apelejadores, descrevendo várias proezas que os animais faziam. Ouviu alguns fatos que pareciam não serem naturais, declarando que só poderia ser feito por arte diabólica. Em outro depoimento, Antônio Barbosa Matos disse que Mão de Luva havia lhe prometido que o ensinaria a ler e que lhe daria uma bolsa. Indagando de que serveria a dita bolsa, Mão de Luva respondeu que trazendo-a consigo, quando arranchasse, batesse com a mão em um pau. A referida bolsa entraria para dentro do pau e naquele caminho ninguém o incomodaria. Antes que seguisse viagem, perguntasse ao pau onde estava a dita bolsa e se poderia ou não seguir viagem. Se a bolsa não saísse, não deveria prosseguir viagem. Se saísse do pau, seguramente poderia seguir viagem. Disse não saber se Mão de Luva trazia consigo partícula consagrada. Assistiu Mão de Luva comungar pois ele tinha suspeita de que andaria com o demônio e na ocasião recebeu o sacramento.


João de Abreu Macedo, casado, 53 anos de idade, carpinteiro, sob o juramento dos Santos Evangelhos, disse que conhece muito bem a Manoel Henriques, intitulado o Mão de Luva do Xopotó, com quem andou cinco meses no mato em um descoberto de ouro e há três anos estavam separados. Declarou que ouviu de boca do próprio Manoel Henriques muitas façanhas que tinha feito em Minas Gerais. Certa feita levou vinte presos para a cadeia de Vila Rica auxiliado apenas por um camarada. Dormindo no caminho, apenas bastou ele para vigiar todos os presos sem que nenhum deles fugisse. Possivelmente os presos aos quais se refere a testemunha trata-se, na realidade, de escravos fugitivos, pois costumava-se recompensar com dinheiro quem apresasse cativos. Em outra feita, cercado por oficiais que queriam prendê-lo, não puderam fazê-lo porque a uns acutilava, a outro matou e fugiu sem ser preso. Esse episódio não só ouviu da boca do dito Manoel Henriques, como de um crioulo que o acompanhava chamado Simão. Segundo João de Abreu Macedo, tudo quanto Mão de Luva fazia não era natural, mas auxiliado por alguma arte diabólica. Metia-se em tudo com intrépido valor. Declarou que quando Mão de Luva se metia em algum perigo logo tirava da algibeira uma bolsa volumosa e a lançava ao pescoço. Valendo-se dela, se metia em todos os perigos seguro de que nada o ofenderia, o que ele testemunha por vezes presenciou. Não sabia dizer se trazia consigo partícula consagrada. O mandingueiro Mão de Luva prometia suas enfeitiçadas bolsas para as pessoas se livrarem dos perigos. Nas Minas Gerais gostava de jactar-se que tinha feito várias façanhas com os seus cavalos, que pareciam sobrenaturais. Tudo isso para que o seu bando o temesse consolidando sua liderança na localidade.


Nos autos da inquisição, Mão de Luva foi processado juntamente com seu companheiro, Agostinho de Abreu Castelo Branco, filho do advogado Jorge de Abreu. Esse último fora igualmente acusado de utilizar uma partícula consagrada, pedra d’ara, óleos sagrados e outras relíquias tiradas de várias capelas por onde tinha andado. Como os autos do Juízo da Intendência Geral do Ouro do Rio de Janeiro não foram localizados até o momento, não podemos saber o destino de Mão de Luva. Vamos ver o que registraram em seus diários os viajantes europeus no século XIX. Segundo o mineralogista John Mawe foram condenados à prisão perpétua e banidos para a África. Já o diplomata suíço Johann Jakob von Tschudi relata que Mão de Luva teria sido deportado para o Rio Grande do Sul, onde falecera em 1824 ou 1825. O mesmo descartava a possibilidade de seu enforcamento ou do seu degredo para a costa africana. Já Cansanção de Sinimbu, juiz de Direito de Nova Friburgo, registrou que Mão de Luva foi desterrado para o Rio Grande do Sul onde faleceu vinte e cinco anos depois.


MÃO DE LUVA: A LENDA


Uma versão atribuiu a Mão de Luva uma descendência aristocrática lusa. Nos fins do reinado de D. José I, Rei de Portugal, Manuel Henriques, duque de Santo Tirso, possuidor de vastos domínios e grande riqueza, cavalheiro erudito e de denodada simpatia, apaixonara-se pela filha do monarca, Maria de Bragança, que mais tarde seria elevada ao trono com o título de D. Maria I. Conheceram-se numa recepção realizada na Corte e ambos apaixonaram-se trocando juras eternas de amor. Certa feita, o duque recebeu em seu castelo, no Porto, uma carta convidando-o a participar de uma conspiração contra o poderoso Marquês de Pombal e forçar a abdicação de D. José I, em favor de sua filha. A ardilosa princesa prometera sua mão ao enamorado duque caso a conspiração triunfasse. O duque imediatamente aderiu à causa e partiu para Lisboa levando homens e recursos financeiros. No entanto, o Marquês de Pombal abortou a conspiração e promoveu uma devassa contra todos os conspiradores. O duque de Santo Tirso foi condenado ao degredo perpétuo no Brasil, sendo-lhe confiscados todos os bens, cassados os títulos de nobreza e considerado infame até a terceira geração. Na véspera do seu embarque para o degredo ao Brasil, a princesa Maria de Bragança, cobrindo o rosto em negro véu, visitou-o no calabouço exclamando:


“...ides para o país das minas de ouro, das pedras preciosas. É possível que dentro em breve, possais reunir fortuna capaz de comprar a vossa liberdade e então, regressareis à Pátria (...) Antes desse dia, entretanto, vossa mão direita, que ora tenho apertada entre as minhas, não deverá tocar em as de outra pessoa. Usareis na destra, uma luva preta, esta aqui que vos entrego. Só deixareis de calçar[a luva], no dia em que a despires para colocá-la na mão da Rainha de Portugal, vossa esposa.”


O duque de Santo Tirso partiu para o degredo no Brasil e se tornou um garimpeiro contrabandista, perseguido por fraudar o fisco. Partindo de Minas Gerais embrenhou-se nos Sertões do Macacu explorando o ouro de aluvião sem pagar o quinto, o imposto devido à Coroa Portuguesa. O vice-rei Luiz de Vasconcelos e Souza mandou uma expedição para prender Mão de Luva. Ele foi julgado e banido para a África. D. Maria I é a mãe de D. João VI e faleceu insana no Rio de Janeiro com 82 anos de idade.






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