No princípio do século 19, uma parte do recém-criado distrito de Cantagalo é desmembrada para receber colonos suíços, dando origem a Vila de Nova Friburgo. Para tanto, foram demarcados lotes de terras e doados a esses imigrantes para se dedicarem ao cultivo da lavoura de mandioca, milho, feijão e arroz, bem como na criação de animais domésticos. Os lotes foram distribuídos para grupos em média de duas a três famílias. Como boa parte dos lotes era imprópria para a agricultura, os colonos suíços começam a abandonar o Núcleo Colonial e se dirigem para as cabeceiras do Rio Macaé, para outras freguesias e mesmo rumo a outros distritos. Entrevistei o Sr. Moacyr Marchon, nascido em 1921, para conhecer a história de uma família imigrante nas cabeceiras do Rio Macaé. Era muito comum casamentos entre famílias suíças. Igualmente entre esses e colonos alemães, que chegaram em 1824, à Vila de Nova Friburgo. Formavam uma rede de solidariedade nos tempos difíceis de assentamento do homem na mata. Uma mulher que ficasse viúva e tivesse muitos filhos se casava novamente dentro de arranjos matrimoniais no grupo familiar, como foi o caso da mãe do Sr. Moacyr que viúva se casou com o cunhado. Filho de João Theodoro Vieira e de Emília Marchon, o Sr. Moacyr inicialmente nos traz um dado interessante sobre a presença de índios na região. Sua avó Luiza Marchon foi pega a laço e raptada pelos índios quando morava em Conceição de Macabu. Descreve sua mãe como uma cabocla. Pesquisadores assinalam a presença de tribos indígenas Saruçus, Coroados e Goitacás nesse município até o século 18, quando a partir de então se deslocam para outras regiões. Emília Marchon casa-se com o cunhado Pedro Schuabb e juntando os filhos de ambas as relações anteriores a família fica composta por dezessete pessoas. Quando o velho sobrado de “tabuinha” que residiam desabou a família foi morar numa toca de pedra, em São Pedro da Serra. Recorda-se que havia na caverna ossada e machado de pedra dos índios. Segundo o Sr. Moacyr, os índios foram para “aldeia velha, para baixada, aldeia dos índios”, um possível aldeamento em Conceição de Macabu. Nas proximidades da toca de pedra o seu padrasto Pedro Schuabb derrubou com o machado a mata de pau de lei, cedro, tapenoã e camboatá. A seguir, tocou fogo na terra e preparou lavouras de inhame de gruta, milho e mandioca. Havia uma luta do homem com a natureza pela sobrevivência. De início, animais como porco do mato, caititu, quati e macaco comiam a lavoura de milho. Mas na medida em que o seu padrasto foi derrubando a mata os animais foram desaparecendo. Para assustar as onças durante a noite, o padrasto fazia uma fogueira do lado de fora da toca. A família consumia além dos legumes plantados o palmito e o Sr. Moacyr se recorda que a mãe cozinhava banana verde, depois amassava e adicionava caldo de macaco. Carne nunca faltava e comiam paca, macaco, jacu e caças do mato que a mãe cozinhava no fumeiro e que ajudava igualmente a espantar os mosquitos. Mesmo assim as crianças estavam sempre com caroços de picadas de insetos pelo corpo todo. A farinha de mandioca e o sal eram comprados. Dormiam na esteira e o travesseiro era de saco de farinha que enchiam de palha de milho e capim gordura. A roupa, uma camisola feita de saco que a mãe tingia na panela, dando-lhe coloração. Não tinham sapato e muito tempo depois puderam ter um tamanco português, depois a malandrinha e finalmente um chinelo. Banho, somente aos sábados. As crianças eram iguais ao caboclo no mato, só chegavam no final do dia na toca. Caçavam passarinho com bodoque e matavam cobra com ouriço no pau. O castigo era o chicote ou correia na perna. Quando uma das crianças fazia uma peraltice apanhava todo mundo, pois um teria que vigiar o outro. Como a camisola era lavada somente uma vez por semana, parecendo um couro de boi, o chicote pegando na roupa não machucava muito, relata o Sr. Moacyr Marchon. Mas quando o padrasto suspendia a camisola doía mais, pois não usavam nada debaixo da roupa. Quando as crianças tinham bichas ou lombrigas a barriga ficava muito inchada e provocava um apetite imenso. Nada matava a fome. Os vermes se embolavam um com o outro provocando calombos na barriga. Tinham que esfregar a barriga ou comer qualquer coisa para desembolarem. O padrasto socava erva Santa Maria e misturava com óleo de rícino dando para as crianças beberem e os vermes saíam todos nas fezes. Moacyr Marchon trabalhou como tropeiro durante quase dez anos, tocando os burros do Júlio Manhães, Aristão Martins e João Bonn. Levavam para o centro de Nova Friburgo batata inglesa, feijão, palmito, capado e ovos. Recorda-se de escorar bruacas (sacos de couro) de 60 kg no ombro. Cada mula suportava duas bruacas de 60 kg de cada lado. Saíam nas primeiras horas da manhã e arranchavam no Colonial 61. Tiravam a carga dos animais, lavavam os lombos feridos e os colocavam na campina para pastar. O rancho oferecia o pasto e uma estrutura como o fogão. Cozinhavam carne seca, arroz, batata e coavam café. Quando chovia, geralmente os animais derrapavam e caíam e então tinham que tirar a mercadoria de cima deles e arrumar toda a carga novamente no animal. Traziam de Nova Friburgo sal, lata de querosene, açúcar e sacas de arroz. E o Sr. Moacyr Marchon, nos seus 98 anos de idade, continuou contando sem parar histórias interessantíssimas e deixo aqui um pequeno registro.
VIDA CAIPIRA NA TOCA DE PEDRA
Atualizado: 22 de mar. de 2021
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