A forma de aquisição de terras no Brasil passa por três fases: inicialmente através da concessão de sesmarias que vigorou até 1822, o sistema de posse que ficou em vigor até 1850, e a compra e venda desde então. O regime das sesmarias gerou o latifúndio, ou seja, a grande propriedade. Para obter uma sesmaria era necessário prestígio político, ser senhor de cabedais ou titular de serviços públicos. Tantas foram as liberalidades nas concessões de sesmarias, inclusive com doações a um mesmo requerente, não obstante ser proibido, que em 1822, não havia quase mais terras devolutas a distribuir. Famílias pobres vagavam de lugar em lugar sem acesso a terra. Alguns proprietários consentiam que se estabelecessem em alguma parte de suas terras temporariamente ou enquanto vivia o varão da família. A grande propriedade toma conta do país com a dependência e o bloqueio de ascensão do lavrador não proprietário. Fui visitar a Fazenda Campestre no Campo do Coelho, distrito esse conhecido no passado como Terras Frias. Fui recebida pelo simpático casal José de Souza Damásio e sua esposa Dona Neuza que administram a propriedade. Já sabia que essa fazenda pertencera no passado a Cesar Guinle e que vendia mulas de carga a tropeiros da região. O Sr. José Damásio informa que Cesar Guinle adquiriu aproximadamente entre 1935 e 1940, de Manoel Mendes da Veiga, 40 alqueires da Fazenda Campestre. Originariamente essa propriedade deveria ser uma sesmaria de meia légua em quadra correspondendo a uma área de 2.178 hectares. A casa-sede era de pau a pique o que nos leva a crer que os antigos proprietários ficavam pouco tempo no local. Fora uma unidade de produção de criação de mulas. A Fazenda Campestre era um desses latifúndios a que nos referimos anteriormente. José Damásio tem na memória como funcionava a relação entre a grande e a pequena propriedade nessa região. Segundo ele, uma determinada família proprietária de vastos domínios no Campo do Coelho, que propositalmente irei omitir o sobrenome, tinha “poder de escrivão” e escriturava “na pena”. Visitava pequenos proprietários a quem chamava de “cumpadre” e no calor da prosa, em meio a algumas doses de cachaça trocava com o incauto lavrador um animal por glebas de terras do pequeno sitiante. No dia seguinte, vinha o arrependimento, mas o negócio não poderia ser desfeito. O pai de José Damásio, Zeferino de Souza Damásio contava que havia uma senhora, Dona Dina, que tinha uma propriedade e plantava milho. Esse mesmo grande proprietário de terras pediu a ela para colocar seus animais em suas terras na entressafra do plantio do milho. Ela concordou e respondeu: “pode botar pra bater pra fazer a coalhada” e ali ele colocou seus animais. Passado um tempo, Dona Dina disse: “cumpadre chegou a época do plantio milho, o Sr. retira os animais que eu vou usar as terras.” O rico proprietário respondeu: “Tirar como? Meu rumo não é esse?” Segundo a memória oral, ele se empossou daquele pedaço de terras de Dona Dina. Era comum esse senhor se apoderar das terras de terceiros e deixá-los lá plantando e vivendo como colonos. A escritura daquela época era assim “daqui lá é tanto, mais ou menos, tudo mais ou menos”. Na realidade, fui a Fazenda Campestre porque havia ouvido dizer que se passava por essa propriedade para descer a serra, conhecido como “caminho dos escravos”. Essa trilha vai dar em Guapiaçu, em Cachoeiras de Macacu. O Sr. José de Souza Damásio confirmou a existência dessa trilha e ouviu dizer que indivíduos vinham comprar animais de carga no terceiro distrito e subiam com farinha de mandioca para comercializar com os fazendeiros da localidade. Mas esse caminho não era próprio para o transporte de carga, por ter um declive acentuado com pedras escorregadias, com risco de perda da mercadoria. Era igualmente o que eu já ouvira dizer. Possivelmente essa trilha foi uma rota de fuga de escravos e por isso, guarda esse nome na tradição local, no Campo do Coelho: “caminho dos escravos”. Deixei esse simpático casal, na esperança de um dia retornar para mais um dedo de prosa sobre a rica história desse distrito.
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