Nos encontramos na iminência de completar dez anos do maior desastre climático registrado no Brasil. Este sinistro ocorreu na madrugada do dia 12 de janeiro de 2011 na região serrana fluminense, envolvendo onze municípios atingidos pelo desastre. Fui procurar em Nova Friburgo um lugar de memória deste trágico acontecimento, aquilo que a imaginação investe de aura simbólica e o encontrei no conjunto habitacional Terra Nova. O artigo científico “Vulnerabilidade socioambiental, redução de riscos de desastres e construção da resiliência, lições do terremoto no Haiti e das chuvas fortes na Região Serrana, Brasil.”, de Carlos Machado de Freitas e outros foi a minha fonte para apresentar algumas informações sobre esta tragédia. Segundo os autores na subestação de Ypu choveu 220 milímetros em 24h, sendo acima de 80 milímetros considerado situação de alerta para a região. Os autores nos informam que faleceram em Nova Friburgo 429 pessoas, 4.528 ficaram desalojadas e 789 desabrigadas. Alguns prédios e residências desabaram e a infraestrutura do município ficou totalmente comprometida, principalmente no que se refere às pontes. A indústria, o comércio, a agricultura e os serviços sofreram grandes prejuízos resultado da paralisia de suas atividades. O desastre climático provocou danos potencializados no município em razão da ocupação desordenada de áreas de proteção ambiental, como margens de rios e encostas, tanto por parte do poder público como por ocupações ilegais. Passemos aos acontecimentos que se sucedem. No distrito urbano de Conselheiro Paulino, que até meados do século vinte era essencialmente rural, foi construído um conjunto habitacional para abrigar as famílias que perderam os seus imóveis no desastre climático. Uma linda plantação de rosas do imigrante japonês Motomo Watanabe foi desapropriada para dar lugar a construção do conjunto habitacional. Era uma das últimas plantações de flores de corte do vale do Rio Grande restando hoje apenas a localidade do Sítio dos Afonsos, cuja família Afonso ainda vive do amanho da terra. O Terra Nova possui nove conjuntos com variado número de blocos em cada um deles totalizando 2.200 unidades. Os apartamentos têm uma área de 42 m² que compreende sala, dois quartos, banheiro e cozinha, sem área de serviço. Para a edificação destes modestos apartamentos foram investidos aproximadamente R$292 milhões, sendo R$163 milhões do governo federal destinado a construção e o aporte de R$129 milhões do governo estadual para a desapropriação do sítio e urbanização da área. Iniciam-se os problemas. Em artigo publicado em A Voz da Serra em 17 de abril de 2017, intitulada “Delator diz que houve propina na obras do Terra Nova”, o ex-executivo da Odebrecht Benedicto Barbosa da Silva Junior, declarou em delação premiada que essa empreiteira pagou R$5 milhões em propina das obras de construção do conjunto habitacional Terra Nova para a campanha do governador Luiz Fernando Pezão, a pedido de Sérgio Cabral. Dispensa comentário as relações espúrias de diversos políticos com a construtora Odebrecht. Qual foi a consequência de agrupar quase oito mil pessoas em um conjunto habitacional? A resposta é dada pela mídia onde o Terra Nova está sempre associado a notícias de tensões entre os moradores relativo ao direito de vizinhança, típicas de aglomerações, e ainda matérias de confronto de determinado grupo de moradores infratores com a Polícia Militar. Ficarei em apenas três exemplos, “Tiroteios constantes têm assustado moradores do Terra Nova”, matéria de A Voz da Serra de 22 de novembro de 2016, “Policiais militares de Nova Friburgo sofrem ataque por traficantes no Terra Nova”, TV Zoom noticiário de 19 de outubro de 2020, “PM apreende carga de drogas em operação no Terra Nova”, matéria de A Voz da Serra de 04 de setembro de 2020. O que se depreende são uma sucessão de fatalidades divididas em diversos atos de um drama dos moradores do Terra Nova. O primeiro ato foi o desastre climático desalojando estas famílias. O segundo um esquema de corrupção dos governos federal e estadual na edificação do conjunto habitacional Terra Nova. O terceiro ato uma população vulnerável e desassistida, tendo o seu “lar, doce lar” tão somente nas matérias policiais. A omissão do governo em promover a melhoria das condições de vida da população, um déjà vu, cai sempre no colo da Polícia Militar, que certamente não gostaria de desempenhar o papel de repressor nesta tragédia em três atos. Fui consultar no site do arquivo do governo federal o discurso da então presidente Dilma Rousseff, que em novembro de 2015 inaugurou um dos blocos do conjunto habitacional que ela denominou de “Residencial Terra Nova 7”. Segundo a ex-presidenta “...É Terra Nova mesmo, porque vocês estão inaugurando aqui não só as casas, mas também uma nova vida(...)se eu voltar aqui daqui a um ano, o que eu vou ver? Eu vou ver que estas casas adquiriram uma outra face, uma outra imagem. Elas vão estar de uma certa forma refletindo cada uma das famílias que moram aqui. Vão ter um jeito mais humano (...) eu assumo o compromisso com o governador que nós vamos ajudar sim, a fazer aqui um posto de saúde, um posto para a segurança pública. Vamos ajudar a fazer escola e vamos ajudar a fazer creche...” Podemos colocar essas promessas não cumpridas como o quarto e último ato desta tragédia. Não há no Terra Nova escola, creche, posto de saúde, área de lazer e falta água frequentemente. A bíblica Terra Nova é tão somente um lugar de memória da tragédia climática, associada permanentemente às matérias policias.
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