A circulação e o controle da população escrava ocupam boa parte do código de posturas policiais e alguns artigos reproduzem o Código Criminal. O primeiro levantamento censitário de abrangência nacional foi realizado em 1872 e nos permite localizar as áreas de concentração de escravos. Na Freguesia de São João Batista, sede da vila, havia 897 escravos em relação à população livre de 5.406 indivíduos. Na Freguesia de São José do Ribeirão era onde havia o maior plantel de escravos com 3.072 cativos para uma população de 4.890 indivíduos livres. Já na Freguesia Nossa Senhora da Conceição Paquequer havia 2.167 escravos e uma população livre de 1.898 habitantes. Em Nossa Senhora da Conceição do Ribeirão da Sebastiana havia 548 escravos para uma população de 1.828 indivíduos livres. Não obstante a análise das posturas policiais em relação aos escravos ser de quatro décadas anteriores ao referido censo, possivelmente a proporção entre a população escrava e livre em meados do século dezenove seria bem próxima a esse levantamento. Ainda que com parcos recursos a captura de escravos fugitivos era prioridade na Câmara Municipal. Na vereança de 26 de fevereiro de 1841 com o cofre quase vazio de dinheiro suspenderam-se todos os pagamentos com exceção da captura de escravos. A função de capitão do mato ou de assalto era objeto de licitação e o interessado apresentava um requerimento para ser provido na função mediante o pagamento dos “novos direitos”. O capitão do mato sugeria os cabos e soldados para formar a sua esquadra e a Câmara deveria aprovar a indicação. Organizava-se então a companhia para prear os escravos fugitivos. As posturas previam que o capitão do mato receberia uma gratificação por escravo capturado. A norma estabelecia que quanto mais distante da vila a captura maior seria a remuneração. Em razão da grande extensão do município eram nomeados diversos capitães do mato. Possivelmente por ser uma atividade lucrativa os colonos suíços Henri Mozer e François Vuillemin requereram provimento de capitão do mato nas cabeceiras do Rio Macaé de Cima.
Parece-nos que os escravos fugiam com frequência das fazendas. Em abril de 1822 há referência na vereança de escravos aquilombados nas partes de Macaé e que nesse quilombo havia quatorze escravos. Próximo às terras foreiras de Maria Joaquim Voiter há referência de um lugar denominado quilombo e tudo indica que era em Córrego d’Antas. Mesmo sem provisão na função de capitão do mato qualquer indivíduo que prendesse um escravo fugitivo seria gratificado. Esta despesa seria paga pela Câmara e reembolsada de seu senhor quando lhe fosse entregue. Percebe-se que havia toda uma estrutura montada para atender aos interesses dos proprietários de escravos sobretudo quando os vereadores pertenciam, em sua maioria, a classe social proprietária. Eram adquiridos pela Câmara Municipal troncos de campanha, ferros, algemas, anjinhos, calcetas, correntes de ferro com argolas e cadeados. Os escravos fugitivos resgatados eram recolhidos em um local que denominavam de libambo. Eram chamados de “pretos do libambo”. A origem do nome libambo deve-se à circunstância de os escravos ficarem unidos uns aos outros por correntes de ferro atadas em argolas e presas ao seu pescoço durante a execução de trabalhos e por toda a noite. O colono suíço Joseph Hecht presenciou um desses grupos de escravos:
“...Com frequência víamos passar por nossa cidade de Nova Friburgo negros fugidos que tinham sido capturados pelos caçadores contratados e que estavam sendo devolvidos aos donos. Quem capturasse um negro fugido e o devolvesse recebia 40 florins de acordo com a lei. Para quem se dedicava a essa maldita atividade, essa paga era suficiente. O
negro que fugia pela primeira vez era espancado de forma horrível. Se fugisse uma segunda vez era novamente espancado brutalmente mas isso não era tudo: uma corrente era presa ao seu corpo com uma parte pendendo para baixo por meio da qual as pernas eram presas a uma argola. A corrente lateral era soldada a outra argola. Nessa miserável condição com o corpo todo apertado ele tinha de trabalhar e dormir. Quando dois escravos fugiam juntos eram depois acorrentados juntos a uma argola e assim forçados a trabalhar. Se o escravo fugisse pela terceira vez e fosse preso era então transportado para o matadouro da cidade do Rio de Janeiro onde todos os dias recebia cem chibatadas. Outros eram amarrados a um poste numa praça pública inteiramente nus e cruelmente surrados...” (HECHT, 2009. p. 89)
No libambo, em um tronco, os escravos ficavam presos por correntes e vigiados por um carcereiro. Porém essa vigilância era precária havendo registros frequentes de fuga. O artigo 59 da lei de 1º de outubro de 1828 previa denúncia ao Conselho Geral por maus tratos e atos de crueldade praticados com os escravos. No entanto há o registro em uma vereança de um escravo no libambo 48 horas sem se alimentar. Na inspeção um vereador constatou que se encontrava “no mais deplorável estado de fome e doença de maneira que senão poder ter em pé”. A alimentação no libambo era licitada. O colono suíço Pierre Aguet se habilitou a se encarregar do sustento e carceragem no libambo. Os capturados ficavam sob a custódia do juiz de paz aguardando que os seus senhores os reclamassem.
As posturas policiais determinavam que os pretos do libambo fossem empregados nos serviços e obras públicas sob a vigilância de um pedestre, um policial civil nos dias de hoje, que administrava o trabalho e fazia a guarda dos escravos para evitar a fuga. Escravos presos por algum delito eram igualmente empregados nas obras públicas. No caso de ser infrator da lei era facultado aos senhores requererem a comutação da prisão em açoites, contando-se dez açoites por cada dia de prisão. Trabalhavam nas estradas, faziam limpeza de ruas, esgotamento de pântanos, cortes de árvores, reparos nas casas coloniais e no château. As obras na serra da Boa Vista e na estrada geral de Cantagalo foram executadas por escravos dos fazendeiros locais e pelos pretos do libambo. Ainda que a Câmara fizesse uso da propriedade alheia os senhores ao resgatarem os seus escravos deveriam indenizar a instituição além da captura e de outras despesas pela sua manutenção. O trabalho nas obras públicas era questionado por alguns vereadores considerando que a Câmara se servia da propriedade de terceiros. Há o registro do acoitamento de um escravo fugitivo não comunicado ao juiz de paz ou ao inspetor de quarteirão, como determinava as posturas, fazendo uso de seu trabalho. Em uma vereança ocorreu a denúncia de que um fiscal da Câmara havia retirado um preto do libambo e o empregado em sua residência a seu serviço. Ele negou o fato argumentando que o tinha tirado do libambo para curá-lo de suas boubas. Para esses contraventores era prevista a aplicação de multa ou prisão, além de indenização ao senhor do escravo.
Em dado momento os vereadores concluíram que a manutenção dos escravos no libambo onerava muito os cofres públicos e o mais sensato seria devolvê-los sem demora aos seus senhores. Como o seu emprego nos serviços e obras públicas era mal administrado pelo pedestre e consequentemente pouco produtivo, não compensava as despesas que tinham que arcar com a sua manutenção como alimentos e eventualmente remédios. Por outro lado as fugas do libambo eram frequentes e quanto mais tempo lá permanecessem maior era a possibilidade de evadirem. No Jornal do Commercio de 21 de outubro de 1835 localizamos de um destes anúncios de fuga de escravos do limbambo.
Fugirão no dia 7 do corrente mez, do libambo da Villa de Nova Friburgo, os escravos seguintes: Manoel crioulo que diz ser forro, natural da Suruóca, ou Arraial do Turvo; hum pardo, de Campos, tocador de viola e cantador; Domingos de nação Moçambique, estatuto regular, bonita figura, 26 annos de idade, pés meio grandes, levou bastante roupa. Suppõe-se terem ido para a Provincia de Minas. Quem os apprehender queira restitui-los a Anacleto Elias de Oliveira, Escrivão do juiz de Paz da Villa de Nova Friburgo. Jornal do Commercio, 21 de outubro de 1835, p. 4.
Na realidade deixavam uma conta salgada e este era o cálculo. Os vereadores deliberaram que ao invés de aguardar o proprietário reclamar o escravo se tomaria a iniciativa de dar celeridade à entrega do fugitivo ao seu senhor. Possivelmente os escravos não davam a indicação da propriedade ou referência de seus senhores, pois o castigo no retorno era um dos mais cruéis. No procedimento de devolução do cativo o juiz de paz redigia um documento contendo o dia, mês e ano em que foi apreendido e os seus sinais característicos. Em seguida o fiscal se empenhava em localizar o seu senhor. Não sendo localizado o proprietário o mesmo documento era publicado em edital, divulgado na vila e povoações e no diário da Corte. Caso não houvesse quem os reclamasse no prazo legal iriam a leilão e o produto da venda depositado nos cofres públicos. Mas por que alguns senhores não reclamavam os seus escravos? É provável que o valor para resgatá-los como a captura, o mais dispendioso, alimentação, vestuário, remédios, carceragem, ferros e feitoria nas obras públicas eram de tal monta que não compensava pagar o valor e ter de volta um “negro fujão”. Isto não ocorreria a partir de 1850 com a lei Eusébio de Queiróz que proibiu o tráfico intercontinental de escravos e o seu valor irá aumentar de sobremaneira. Em 1821, um escravo custava entre 250 e 440 mil-réis, em 1843 alcança 700 mil-réis, para atingir, em 1855, o valor de 500 mil a um conto de réis (FAORO, 2001, p.375).
As posturas policiais se ocupavam da circulação dos escravos pelas ruas. Deveriam portar um documento escrito constando o nome de seu senhor e o lugar para onde se dirigiam. Nenhum escravo ou mesmo o liberto poderia empregar-se no município como mascate ou pombeiro sem que tivesse prestado fiança idônea perante o juiz de paz do distrito. Na comercialização de gêneros da lavoura ou produto artesanal como esteiras e cestos deveriam estar munidos de autorização para a venda, por escrito, de seu senhor sob pena de ser considerado como produto de roubo. Era interdito aos donos de casa de negócio ou seus prepostos comprarem trastes ou objetos de qualquer natureza de escravos sem que estes mostrassem autorização por escrito de seus senhores, feitores ou administradores. Estes mesmos donos de casa de negócio deveriam coibir às suas portas escravos estacionados ou ajuntamento de mais de três, a não ser que estivessem fazendo compras a mando de seus senhores. Recomendava-se aos fazendeiros que evitassem relações entre os seus escravos com os de outros proprietários. Não poderiam demorar-se nas fazendas de terceiros sem o consentimento dos donos, administradores ou feitores. Diante de uma insubordinação ou indício de insurreição a força policial deveria prendê-los e conduzi-los à presença do juiz de paz. Era proibido venderem-se aos escravos, a pessoas desconhecidas ou suspeitas substâncias venenosas, remédios muito ativos, pólvora e armas ofensivas de qualquer gênero. Ferreiros, espingardeiros, barbeiros ou cuteleiros e quaisquer outros amoladores eram proibidos de consertarem ou prepararem armas de qualquer natureza para os escravos.
No final do ano de 1835 um fiscal relata na vereação a iminência de uma sublevação de escravos em Nova Friburgo e municípios vizinhos. Segundo ele escravos armados e insurgidos vagavam pelas estradas e fazendas incitando os outros a participarem de um levante. Corria a notícia de que oitocentos escravos haviam evadido e estavam reunidos nos matos. Os vereadores possivelmente deram credibilidade a essa notícia em razão de insurreições e sublevações de cativos ocorridas em algumas províncias. Um levante de escravos de maioria muçulmana ocorrera na cidade de Salvador, na Bahia, no início daquele mesmo ano e ficou conhecido como a Revolta dos Malês. Foi igualmente marcante a revolta de escravos de Saint-Domingue algumas décadas antes acarretando o
fim da escravidão, independência da colônia e proclamação da República do Haiti. É possível que um movimento de insurreição tenha tido início em Nova Friburgo e Cantagalo mas não na dimensão relatada que contém visivelmente exageros, notadamente quanto ao número de revoltosos. Nessa sessão foram censurados os fazendeiros que possuíam excessivo plantel de escravos não tendo em contrapartida um número proporcional de administradores para controlar a escravaria. A discussão entre os vereadores volveu em torno de que se limitasse o número de escravos que cada fazendeiro poderia possuir de acordo com a sua capacidade de controle. Outra proposta foi que se pagasse um imposto proporcional ao número de cativos. Com esse tributo a Câmara Municipal poderia contratar homens de tropa paga para o serviço ativo em auxílio a Guarda Nacional. Essas propostas não geraram posturas policiais.
O temor de sublevação iria recrudescer ainda mais as posturas no tocante a circulação dos escravos. A partir de então reforça-se a vigilância e a repressão em relação ao ajuntamento de escravos de diferentes propriedades. Na vila e povoações o horário de os escravos circularem de dez passou para oito horas da noite sob pena de prisão e açoites, definido o número pelo juiz de paz. O Código Criminal do Império de 1830 previa a pena de morte para os líderes de insurreições entendidas essas como a reunião de vinte ou mais escravos para haver a liberdade por meio da força. Para os líderes era prevista a pena de morte e aos demais galés perpétuas, ou seja, trabalhos forçados, ou reclusão de 15 anos sem prejuízo dos açoites. O número de açoites poderia chegar a mais de 600 devendo ser aplicados somente 50 por dia, por força de lei. Como pena adicional os insurretos seriam obrigados a andarem durante três anos com gonzos de ferro ao pescoço. Caso fosse cabeça ou cúmplice de alguma sublevação ou sociedade secreta o escravo deveria portar um peso de nove libras de ferro à custa do seu senhor sem prejuízo das penas do processo criminal. Em um livro ficaria registrado o nome do escravo, o nome do seu senhor, a denominação da fazenda, o tipo de delito e o prazo que deveria conservar o peso de ferro. O senhor que antes do prazo determinado tirasse o ferro de seu escravo estava sujeito à multa ou prisão. Há o registro em uma vereança de uma revolta de dois “negros”, ambos chamados José, um do vigário Jacob Joye e outro de Dona Gertrudes. Em 1850 na Fazenda da Ponte de Tábuas, hoje distrito de Conselheiro Paulino, ocorreu um levante de escravos. Este episódio resultou em um Sumário de Crime pelo delito de insurreição e homicídio porque culminou com a morte do administrador da fazenda. Sobre essa rebelião recomendo a leitura dos seguintes trabalhos: “Os Crimes da Fazenda Ponte de Tábuas”, de Jorge Miguel Mayer e Edson de Castro Lisboa; “A escravidão velada: a formação de Nova Friburgo na primeira metade do século XIX”, dissertação de mestrado de Rodrigo Marins Marretto; “Pontes de Tábuas: uma fazenda desgovernada em 1850”, artigo científico de José Roberto Pinto Góes, publicado em Topoi, v.9, n.16.
Um anúncio publicado no periódico O Friburguense em 17 de abril de 1881 demonstra a estratégia de um escravo para se livrar do retorno ao cativeiro. O capitão Luciano José Coelho de Magalhães, lavrador de Cantagalo, oferece a quantia de 1:000$000 (um conto de réis) a quem capturar, ou de 500$000 a quem der notícias certas de seu escravo José, pardo, idade entre 28 a 33 anos, marinheiro, cozinheiro, falquejador e serrador. José pertencera a um português que o castigara nas nádegas e nas costas pela “irregularidade de seu proceder”. José tinha o hábito de encobrir essas cicatrizes dizendo que as feridas das costas eram devidas ao “incômodo” de uma doença que dava o nome de “fogo selvagem”. Era muito falante e cortês destacava o anúncio. Tinha a voz fina e quando cumprimentava as pessoas dizia sempre a seguinte frase: “Deus lhe dê bons dias” ou “Deus lhe dê boas tardes”. A partir da segunda metade do século dezenove desaparecem das atas da Câmara Municipal registros da função de capitão do mato. Igualmente não se faz referência ao libambo. Na sessão de 28 de dezembro de 1857 um vereador lamenta a falta de escravos no libambo para executar o serviço de limpeza das ruas e praças. As discussões sobre o controle e repressão dos escravos praticamente inexistem na agenda da Câmara. Por outro lado o mau tratamento e a crueldade praticados com os escravos geram posturas. Como dito antes a proibição do tráfico de escravos com o continente africano aumenta significativamente o seu preço mesmo com a importação interna de cativos do Nordeste. Como valiam mais passaram a ter um tratamento melhor por parte de seus proprietários. Consequentemente as fugas das fazendas diminuíram e o libambo esvaziou.
Como a Câmara Municipal recebeu a notícia do fim da escravidão? De forma protocolar como “faustosa notícia” o “fato histórico” do fim do trabalho escravo. Foi deliberado que se nomeasse uma comissão para felicitações a sua Alteza Imperial Regente por haver sancionado a lei que declara extinta a escravidão no Brasil. Foram expedidos convites aos vigários da Paróquia e aos jesuítas do Colégio Anchieta para cantarem o Te-Deum na Igreja Matriz. As sociedades musicais tocariam retretas nos festejos e os moradores da vila foram estimulados a iluminarem a frente de suas casas. Foi igualmente deliberado que a Praça do Suspiro passasse a ser denominada de Praça 13 de Maio, em memória ao fim da escravidão. O vereador Domingos Braune se pronunciou contra tais medidas alegando que a Princesa Regente havia sancionado a lei por influência dos padres, sendo um ato de despotismo. Declarou na vereança que “hoje tiraram os escravos e amanhã tirarão as nossas casas”. Os fazendeiros da freguesia de São José do Ribeirão solicitaram que a Câmara pleiteasse junto ao governo provincial indenização dos prejuízos causados pela lei que extinguiu a escravidão. No regulamento das escolas de Nova Friburgo era interdito a matrícula de escravos e forros. A sua educação escolar era proibida igualmente em todo o país. Diferentemente dos escravos nos Estados Unidos que puderam ser alfabetizados, alguns deixando suas memórias, os nossos escravos foram impossibilitados de nos legar registros de sua vida cotidiana e de seu infortúnio.
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