top of page
Foto do escritorJanaína Botelho

INSURREIÇÃO DE ESCRAVOS EM CANTAGALO E NOVA FRIBURGO



No final do ano de 1835, o juiz de paz relatou à Câmara Municipal de Nova Friburgo uma sublevação de escravos em Nova Friburgo e municípios vizinhos. Segundo ele, no dia 15 de dezembro, 800 escravos haviam evadido de algumas fazendas e estavam reunidos nos matos. Escravos armados e insurgidos vagavam pelas estradas e fazendas incitando os outros a participarem de um levante. É possível que tenha havido uma tentativa de insurreição de escravos em Cantagalo e Nova Friburgo? Tudo indica que sim como veremos a seguir.


O Jornal do Commercio de 09 de janeiro de 1836 publica em nota uma carta que recebeu de Nova Friburgo com data de 27 de dezembro, com o seguinte teor: “...Tivemos aqui um horroroso levantamento de negros no dia de Natal, e pouco faltou para que fôssemos todos degolados. Felizmente as autoridades e a Guarda Nacional nos salvaram. As cadeias estão apinhadas de negros a quem se não perdoa...” [trema do jornal]


O Jornal do Commercio foi criticado pelo Correio Oficial por ter dado publicidade ao levante sem assegurar-se da veracidade, sem ter realizado indagações, havendo imprudência e precipitação do redator que se valendo de documentos poucos valiosos se apressou em publicar uma notícia que teria consequências funestas. A direção do jornal protestou contra estas acusações: “No nosso número de sábado passado publicamos o extrato de uma carta particular de Nova Friburgo que anunciava um levantamento[levante] de africanos naquela vila no dia 25 de dezembro. Antes de nos decidirmos a inseri-la no nosso jornal procuramos indagar a veracidade do fato e as informações que de várias partes recebemos nos induziram a dar-lhe pronta publicidade, pela convicção íntima em que estamos de que, em semelhante assunto, é essa a marcha que convém seguir. Não emitimos contudo opinião alguma a respeito, e muito menos afirmamos a exatidão desta notícia...”


Ainda respondendo ao Correio Oficial a redação do jornal argumentou que antes de dar publicidade da “insurreição de africanos” indagaram três pessoas fidedignas que tinham relação com a vila de Nova Friburgo, que confirmaram a veracidade do fato. Inquiriram ainda dois indivíduos recém chegados de Friburgo sobre este fato que disseram que as cadeias estavam apinhoadas de negros, tendo um deles presenciado a inquirição feita a alguns revoltosos. Segundo ele o preto forro Gregório, preso no Pena(hoje Cordeiro) era o “imperador eleito”, isto é, o líder do movimento, e seu plano consistia em assassinar todos os brancos e apoderarem-se de Cantagalo, passando pelo Morro Queimado(Nova Friburgo).


No entanto, Antônio Alves da Silva Pinto, secretário do governo da província fluminense negou o levantamento[levante] de escravos ocorrido no dia 25 de dezembro e criticou o Jornal do Commercio por ter dado semelhante nota. Argumentou ter recebido um ofício do chefe de Legião das Guardas Nacionais de Cantagalo e de Nova Friburgo em 31 dezembro, e nada constava a respeito de semelhante levantamento[levante]. Em relação a esta nota o jornal assim se pronunciou: “O secretário da Presidência contestando a exatidão da carta que publicamos disse que os ofícios nada narravam a semelhante respeito; mas estas palavras referem-se ao fato do levantamento[levante], e não às tentativas de insurreição que existiram e existem ainda em muitos pontos da província, sem que possamos atinar com os motivos porque isto se quer ocultar”.


A prova de que ocorreu realmente uma tentativa de insurreição está na discussão dos vereadores da Câmara Municipal de Nova Friburgo sobre este levante a partir da sessão de 20 de dezembro de 1835. Nesta sessão foi lido o relatório do fiscal 3° distrito do Rio Preto de Nova Friburgo, Silvério Roiz de Lima, com data de 18 do corrente mês participando “os sustos em que se acham os moradores do distrito pelos estados de insubordinação dos escravos que diariamente vagam pelas estradas e fazendas vizinhança, armados e proferindo palavras tendentes a uma sublevação no dia 25 do corrente com a notícia de que pretendem assenhorear-se do armamento da Companhia das Guardas que se acha depositado na fazenda do respectivo capitão que achando-se presentemente com a sua família(...)como de pacificar os povos que já estão determinados a desocuparem suas casas a fim de não serem sacrificados.” Foi colocado também nesta sessão que em alguns pontos da província fluminense ocorriam semelhantes sublevações. Já na sessão de 31 de dezembro foram aprovados o envio de dois ofícios, um para o Governo Provincial e outro para o Comandante do Batalhão das Guardas. Além disto, quatro novas posturas policiais foram aprovadas recrudescendo o controle e a repressão sobre os escravos. A partir de então fica proibida a reunião e relações de escravos de diferentes fazendas; também era coibida a circulação de escravos sem um bilhete do seu senhor e interdita a venda de pólvora e armas de qualquer natureza aos mesmos. O escravo cabeça ou cúmplice de alguma sublevação ou sociedade secreta, deveria carregar um peso de 9 libras de ferro durante um período, às custas do seu senhor. Foi lido na sessão um ofício do juiz de paz do 1° distrito de 28 do corrente mês que comunicava à Câmara “movimentos levados pela escravatura em Nova Friburgo e alguns municípios vizinhos”. Pedia providências para “acautelar qualquer tentativa ou mesmo arrebentação de circunstâncias em lugares incertos”, visto que por fontes de pessoas fidedignas no dia 15 do corrente mês evadiram 800 escravos das fazendas, estando reunidos nos matos. As Guardas Nacionais efetuaram prisões e castigos de alguns suspeitos.


A Câmara deliberou remeter ao presidente da província cópia do ofício do juiz de paz sobre a “novidade causada pela escravatura” em Nova Friburgo. Em outro ofício ao presidente constava o seguinte texto: “...o estado em que nos achamos ameaçados já a perecer a cada momento nas garras de tão ferozes inimigos que de cada lado abundam e sem remédio circulam mesmo no seio de nossas famílias, sendo o único lenitivo que temos a esperar para salvar-nos do mal que nos ameaça tomarem-se prontas providências para por meio de castigos os aterrorizar e de uma vigilante polícia velar sobre todos os seus passos...” Nesta mesma sessão foi aprovada uma comunicação da Câmara de Nova Friburgo ao tenente-coronel Comandante do Batalhão das Guardas com cópia do referido ofício do juiz de paz em que lhe participaria a “novidade” acerca da escravatura em Friburgo e de alguns municípios vizinhos. Pediria providências para sufocar “quaisquer outras novas tentativas”. Novas tentativas? Então houve de fato uma tentativa de insurreição. Logo, o secretário de governo da província mentiu quando afirmou ter recebido ofício de Cantagalo e Nova Friburgo onde não havia nenhuma referência a respeito de um levante. Ele recebeu cópia do ofício do juiz de paz que relatava a tentativa de insurreição.


Esta tensão tem origem provavelmente no aumento do número de escravos em algumas fazendas de café. A década de 1830 foi justamente quando Cantagalo começa a despontar como um dos mais importantes produtores de café do país e consequentemente aumento de escravizados no trabalho do eito. Duas freguesias de Nova Friburgo, São José do Ribeirão e N.S. da Conceição do Paquequer eram produtoras de café com significativo plantel de escravos. Os vereadores discutiram na sessão que algumas propriedades possuíam “até mil e mais escravos”. Possivelmente se referiam aos que tinham mil escravos distribuídos em diversas fazendas de sua propriedade. O mais abastado lavrador de café da região serrana fluminense dificilmente ultrapassaria 400 escravos em uma unidade de produção. A média entre os maiores produtores de café era de aproximadamente 250 escravos por fazenda.


Havia consenso entre os vereadores de que a tensão social tinha origem na precariedade do controle da escravaria. Portanto, dever-se-ia limitar o número de cativos que cada lavrador poderia possuir na proporção do número de administradores para geri-los. Outra sugestão foi que o lavrador com grande plantel de escravos deveria pagar uma contribuição proporcional ao “número de escravatura” e o valor deste imposto seria utilizado para uma força auxiliar da Guarda Nacional. Nada disto gerou posturas. Finalmente, foi aprovado o envio de um ofício ao governo provincial requisitando a permanência de um destacamento de 12 a 20 homens de tropa paga para o serviço ativo do município. Já para a Guarda Nacional o envio de armamento para 60 cavaleiros, 300 correames para a infantaria e 6.000 cartuchos.


Curiosamente, um levante de escravos de maioria muçulmana ocorreu em Salvador, na Bahia, de 24 para 25 de janeiro no mesmo ano. Este levante ficou conhecido como a Revolta dos Malês. De todo este episódio o mais instigante é a alusão por parte do redator do Jornal do Commercio de que ocorriam tentativas de insurreição em muitos pontos da província. Para saber mais sobre este acontecimento é necessário a leitura das atas de Câmara Municipal de Cantagalo e notadamente pesquisa nos arquivos do governo provincial que buscou ocultar a insurreição de escravos em Cantagalo e Nova Friburgo.



Fontes: Jornal do Commercio de 09 de janeiro de 1836; Jornal do Commercio, 11 de janeiro de 1836. Jornal do Commercio, 13 de janeiro de 1836; Sessões de 20 e 31 de dezembro de 1835. Atas da Câmara Municipal de Nova Friburgo. 1820-1888. Livros I a VIII, X a XV, XVIII e XIX. Transcrição de Carlos Jayme S. Jaccoud. 2001.

64 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page