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Foto do escritorJanaína Botelho

CERVEJAS DE NOVA FRIBURGO: UM LEGADO DA IMIGRAÇÃO ALEMÃ?




Considerada alimento durante a sua história de mais de seis mil anos, a cerveja fez parte da alimentação do homem desde os primórdios da humanidade. Existe uma relação direta entre pão e cerveja: ambos são feitos de grãos como a cevada e o trigo, água e fermentação. Assim como o pão, a cerveja alimenta e já foi, por isso, chamada de “pão líquido”. Na Mesopotâmia, em 4000 a.C., o Código de Hamurabi previa o afogamento do cervejeiro em sua própria bebida, caso ela fosse intragável. Os egípcios fabricavam cervejas suaves destinadas aos pobres, e as aromatizadas com gengibre, tâmara e mel eram reservadas aos nobres. Até o início da Idade Média, a produção de cerveja era uma atividade exclusivamente caseira, de responsabilidade das mulheres e dirigida ao consumo doméstico, já que fazia parte da dieta da família. Mas a cerveja produzida nessa época tinha muito pouco em comum com a bebida que tomamos hoje. Era, às vezes, usada como remédio, para o que a ela eram misturadas cascas, raízes e especiarias como tomilho, pimenta e ervas em geral.


As primeiras iniciativas de produção em maior escala aconteceram nos mosteiros, a partir do século VI. Os mais famosos são a Abadia de Sankt Gallen, na Suíça, e a Abadia de Bobbio, na Itália, na qual o escritor Umberto Eco se inspirou para escrever o romance O nome da rosa. Os mosteiros tornaram-se unidades de produção da cerveja, tendo aprimorado seu método de fabricação. Produziam cerveja em grande escala, de boa qualidade, com receitas particulares, guardadas em segredo. Em 1040, o Mosteiro de Weihenstephan, em Freising, na Alemanha, conseguiu a licença para produzir cerveja comercialmente. É a cervejaria mais antiga em atividade no mundo. Atualmente é um importante centro de formação de mestres cervejeiros e ainda produz as cervejas weihenstephaner. Santo Agostinho é considerado pela Igreja Católica o padroeiro dos cervejeiros. De atividade caseira, a produção da cerveja transformou-se lentamente em um negócio com características de indústria. Na primeira metade do século XIX, a cerveja consumida no Brasil era importada da Inglaterra. Com a chegada de imigrantes alemães ao Brasil, o país passa a ganhar suas primeiras fábricas de cerveja. Em 1842, surgem as primeiras cervejarias com produção em escala industrial no Brasil.


Nova Friburgo recebeu no ano de 1824, imigrantes germanos para substituir os suíços que abandonaram as terras recebidas pelo Rei D. João VI, em razão de sua má qualidade. Lembrando que a Alemanha somente seria unificada em 1871 , e antes disso, era constituída por 39 Estados divididos em reinos, ducados e cidades livres. Por determinação de D. Pedro I, em 03 de maio de 1824, chegaram à Vila de Nova Friburgo 342 imigrantes germanos, sendo 214 homens solteiros. Os germanos trabalharam como agricultores e alguns como artífices, como ferreiros.


Em 1861, o alemão Pedro Gehart solicitou à Câmara Municipal da Vila de Nova Friburgo licença para abertura de uma fábrica de cerveja, mas desconhecemos sobre o seu negócio. Foi o descendente de imigrantes alemães Albano Beauclair quem instalou no ano de 1893, uma fábrica e igualmente uma cervejaria na vila de Nova Friburgo. Albano de Beauclair era mestre cervejeiro formado pela Escola de Cervejaria de Worms, na Alemanha. Possivelmente abriu esse negócio em razão da notória qualidade da água da vila serrana, conhecida notadamente por suas características medicinais. Lembrando que 90% da cerveja é constituída por água. Beauclair importara o maquinário da Alemanha e adotava o sistema de Munich no processo de fabricação. De acordo com o jornal O Friburguense produzia em média vinte e duas mil garrafas mensalmente. No verão utilizava o resfriador Patent de Neubecker, um engenhoso aparelho para manter a cerveja gelada. A marca da cerveja era Friburgo Brau e muito exaltada no jornal. Além da fábrica podia-se desfrutar da Cervejaria Beauclair, um tipo de biergarten situada em um sítio aprazível à margem do Rio Santo Antônio na entrada da cidade. O conceito de cervejaria que se difundira no século XIX, as denominadas biergartens, eram geralmente situadas em áreas arborizadas, com jardins e próximas a um rio onde se espalhavam mesas e bancos de madeira.


Em 1907, Albano Beauclair arrenda a fábrica a Bernardo Dias, mas continua a prestar seus serviços. O novo proprietário muda a razão social para Fábrica de Cerveja Germânia. A germânia era descrita como de cor topázio e espuma argêntea. Há o registro de que possuía máquinas de pasteurização, lavagem das garrafas, arrolhamento, etc. As garrafas tinham rótulos litografados em letras art noveau com o nome de Germânia impresso em vermelho. As rolhas de cortiça presas por arame foram substituídas pelo sistema “teutônia”. Nos parece que a Fábrica Beauclair funcionou até a década 1930, tendo como seus últimos proprietários Lima Jaccoud & Companhia. Outra cerveja produzida em Nova Friburgo no final do século XIX foi a Suspiro de propriedade de Gonçalves & Bastos. Suspiro é o nome de uma famosa fonte de água de Nova Friburgo e que dá nome a um logradouro público, Praça do Suspiro. Fabricada até os anos de 1940 por Gonçalves & Bastos, a marca passa a ser de propriedade de Vaz Corrêa e Cia. Esta mesma empresa lançou a cerveja com a marca Pátria, de sabor adocicado já que a Suspiro era amarga. No rótulo chama-se a atenção de que é fabricada com a “deliciosa água das Braunes”.


A partir de 1911 três empresários alemães Julius Arp, Maximilian Falck e Otto Siems, conhecidos como a “Trindade Teutônica”, investem em indústrias têxteis de passamanaria em Nova Friburgo. Desde então há uma constante contratação de técnicos alemães para trabalhar nas indústrias de Nova Friburgo. Em Mury onde residiam muitos destes imigrantes, no Km 70, Parada das Flores, existia uma fábrica de cerveja que levava o nome do bairro, Mury. O pesquisador Jayme Jaccoud nos informa que o alemão Ernst Kappel, executivo da indústria alemã Rendas Arp, instalou uma fábrica de cerveja no centro da cidade.


Nova Friburgo tem se consolidado nos últimos anos como importante produtor de cerveja. Seria um legado da imigração alemã? É ainda precipitado estabelecer esta relação, mas tudo indica que sim. Afinal os primeiros cervejeiros em Nova Friburgo eram alemães. Neste município alguns produtores rurais têm cultivado o lúpulo para atender aos cervejeiros locais, mas em uma escala ainda pequena. A iniciativa partiu de Paulo Roberto Celles Cordeiro, que infelizmente faleceu de junho de 2019, e estimulou a produção local de lúpulo.



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