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Foto do escritorJanaína Botelho

CARLOS EBOLI: UM NOME PARA NÃO SER ESQUECIDO



Carlos Eboli é nome de rua em Nova Friburgo, e só. No entanto, se formos observar o legado que deixou no município, mereceria um preito maior. Natural de Nápolis, Carlos Eboli nasceu em 1832 e formou-se em medicina pela Faculdade de Paris, em 1856, chegando ao Brasil na segunda metade do século XIX. Médico higienista era membro correspondente da Imperial Academia de Medicina. Provavelmente pela fama da salubridade de seu clima, escolheu Nova Friburgo para um projeto de vida: a construção do Instituto Sanitário Hidroterápico. Nova Friburgo possuía notoriedade nacional sobre as vantagens de seu clima na cura de diversas doenças, principalmente a tuberculose. É significativo que no século XIX, o vereador Galeano das Neves declarou em ata da Câmara que o estabelecimento hidroterápico atraía grande número de famílias e concorria para o progresso de Nova Friburgo. Em 1885, a Câmara oficiou ao chefe de tráfego da Estrada de Ferro de Cantagalo, solicitando que as locomotivas não apitassem dentro da Vila, por incomodar os moradores, especialmente as pessoas que vinham tratar-se.


Logo que chegou a Nova Friburgo, Carlos Eboli, impelido pelo zelo e interesse pela bela vila em que residia, adotou a praça principal, cuidando gratuitamente de sua limpeza e conservação. A justificativa de tal gesto era em função “da higiene, da formosura e do progresso deste magnífico torrão”, conforme consignado em ata da Câmara Municipal. Eboli foi vereador e vale recordar que à época os vereadores não recebiam qualquer remuneração. Foi igualmente responsável pela vinda a Nova Friburgo do famoso paisagista do Imperador D. Pedro II, Augusto Maria Glaziou, para elaboração do projeto da Praça Princesa Izabel, atual Getúlio Vargas, buscando auxílio junto ao Barão de Nova Friburgo para que fosse o mecenas desse projeto. Em Cantagalo, seu nome é mencionado como participante do movimento abolicionista. Ainda segundo Fischer, no livro “Uma História em Quatro Tempos”, foi Carlos Eboli quem conseguiu, junto a Companhia de Jesus, a vinda do Colégio Anchieta para Nova Friburgo.


Eboli veio para Nova Friburgo objetivando um empreendimento grandioso: construiu o maior estabelecimento hidroterápico da América Latina. Para tanto, adquiriu o Instituto Colegial Freese do Coronel Galiano Emílio das Neves que funcionava na Rua Três de janeiro, atual Monsenhor Miranda. No estabelecimento hidroterápico, Carlos Eboli tinha como sócio o médico Fortunato Correia de Azevedo. O Instituto Sanitário Hidroterápico ou Estabelecimento de Duchas começou a ser construído em 1870 e foi inaugurado em 1872. À época, a hidroterapia era preconizada para a cura dos que sofriam de enfraquecimentos, dispepsias, moléstias nervosas, tuberculose, beribéri, reumatismo, bronquite e outras moléstias. Havia uma inscrição, em pedra mármore, na parte externa da parede do prédio das duchas, com os seguintes dizeres: “Ao benemérito italiano Dr. Carlos Eboli, fundador deste estabelecimento hidroterápico, 1881-1884. Obra de seu saber, fonte de vida, renome e glória de Nova Friburgo. Homenagem de seus admiradores. 25 de junho de 1909.”


Carlos Eboli foi ousado. Como precisava dar boas acomodações aos que procuravam a hidroterapia, construiu um belíssimo complexo, em estilo neoclássico, com capacidade para hospedar 180 hóspedes, ligado à Casa das Duchas: o Hotel Central. Atualmente é o prédio do Colégio N.S. das Dores. O Instituto Hidroterápico foi o primeiro prédio a utilizar luz elétrica, isto quando a eletricidade só chegaria à cidade mais de 30 anos depois. Carlos Eboli faleceu precocemente em 1885 e, desde então, o estabelecimento hidroterápico passa a enfrentar dificuldades financeiras mesmo com a administração de novos sócios. Em 1895, dez anos após a sua morte, sem o seu timoneiro, o Instituto Hidroterápico entra em processo de falência e é penhorado pelo Banco Comercial do Rio de Janeiro, através de uma Ação Hipotecária. Como era utilizado pela Marinha para cura de marinheiros com beribéri, houve interesse por parte dessa instituição em adquiri-lo. No entanto, como Rui Barbosa frequentava Nova Friburgo, na ocasião de suas férias de verão, logo se insurgiu contra essa aquisição apoiando a população local.


No manual de medicina do famoso médico polonês Piotr Czerniewicz, que viveu no Brasil entre 1840-1855, há uma descrição completa do Hotel Central com dados climatéricos e atmosféricos, abonadores da pitoresca Nova Friburgo. A seguir, o discurso de Eboli por ocasião da inauguração do Instituto Hidroterápico:


"Agradeço do íntimo de minh´alma á Academia Imperial de Medicina, que inspirada sempre por nobres sentimentos de progresso para ter ao seu alcance meios enérgicos e poderosos, que ou alliviem ou triumphem dos mais graves padecimentos da humanidade soffredora, se dignou nomear uma commissão composta de três de seus illustre membros, a fim de dar mais tarde, com a sua visita a este estabelecimento o testemunho de apreço que dispensa a esta nova medicina(...)As artes, as letras e as sciencias, em suas vastas aspirações, empenhão-se constantemente em expandir-se pelo universo. A centelha da divina razão que as illumina, inspira-lhes, dia por dia novas idéas a propagar e novos trabalhos a completar; e a marcha progressiva dos conhecimentos humanos, arrastada por esse impulso poderoso, dirige-se livre e desembaraçada a attingir os altos destinos que lhes estão reservados. É por isso que eu, o mais obscuro de seus obreiros, venho apresentar-me no meio desta grande nação como um dos propagadores de uma das mais preciosas conquistas da medicina – a hydrotherapia.


Ha cinco annos que eu trabalho incessantemente para realizar esta idea; há cinco annos que eu estudo a melhor e a mais apropriada combinação dos elementos, que devião servir de base para a fundação de um estabelecimento hydratherapico neste clima intertropical. Esta idea aceita pelo meu distincto collega e amigo Fortunato Correia de Azevedo foi pot elle fecundada e; associando-se a mim nesta árdua tarefa, prestou-me apoio franco, decidido e illustrado. Chegou finalmente este dia tão desejado por mim, este dia que, não hesito em afirmar, constitue um acontecimento memorável para os factos da d medicina brasileira. A installação de um estabelecimento hydrotherapico importa, senhores, a propagação de uma medicina enérgica e poderosa, que, bem dirigida, conserva a saude, prolonga a vida, aniquila a moléstia, ou pelo menos allivia os soffrimentos; de uma medicina que, administrada com arte, e intelligencia muitas vezes triumpha das moléstias chronicas, que pertinazmente havião zombado dos desvelos e preceitos dos demais illustres médicos; de uma medicina sympathica, admittida por allopathas e homoepathas, por physicos e chimicos, por anatomistas e physiologistas; de uma realidade pratica, que, baseada na observação e na physiologia, recebeu a sancção das clinicas progressistas de todas as nações. É realmente só esta solida alavanca da therapeutica moderna, que já se tem tornado sobremaneira efficaz em muitos casos de minha clinica, apresentados á Academia Imperial de Medicina; só o amor a sciencia podião-me resolver a abandonar uma excellente posição medica, adquirida em outro lugar, á força do tempo e do trabalho, para dedicar-me a uma especialidade, que tinha todo o direito de ser amparada e propagada. O uso medico dos vários agentes hydrotherapicos data da mais remota antiguidade. A água fria, no começo da medicina, foi inconstestavelmente a primeira de todas as tizanas....É devido, senhores, ao intelligente manejo das eminentes virtudes da água fria, que....puderão obter os mais felizes resultados conseguido a cura de doentes condemnados a uma morte próxima.(...) O primeiro, o que fundou as primeiras bases da hydrotheraphia scientifica foi incontestavelmente James Currie, em 1797, na Inglaterra; a elle seguiu-se Vicente Priessnitz em 1829, na Allemanha,(...)creou por si mesmo a hydrotheraphia empírica em uma larguissima esphera(...)E notae, senhores, que esses illustres médicos, benfeitores da humanidade, cujos nomes irão á posteridade, não havião ainda revelado a ultima palavra na marcha progressiva dessa ramo da sciencia. A outros era dado faze-la progredir anexando á hydrotheraphia a filisformisação e pulverização dos líquidos, a electricidade, os banhos escossezes e thermo-mineraes, os modernos apparelhos para a rápida transsudação e as maquinas de movimento artificiaes. Senhores, tenho consciência em affirmar: este notável complexo de meios constitue na actualidade a ultima palavra na sciencia, no tratamento de certas molestias. So os médicos irreflectidos poderião considerar a hydrotheraphia como uma panaceia geral para todas as moléstias e reduzi-la a um systema(...)as admiraveis injecções subcutâneas, a electricidade, a agua do mar, as aguas thermo-mineraes, o ar e a dieta estendem a mão amiga á hydrotheraphia, fazendo-lhe adquirir maior força e vigor. A água fria senhores é uma faca de dous gumes: mal dirigida, pode causar muitos males, bem administrada torna-se sobremaneira útil. Os especuladores, que em toda a parte abundão, tem querido assenhorar-se desse elemento therapeutico, a ponto de atreverem-se, no centro das cidades mais populosas e civilisadas, a applicar, unicamente para satisfazer a curiosidade alheia, banhos russos e turcos(...)


É devida á baixa e secca temperatura atmospherica, e á superior qualidade das águas, a escolha de meu sócio e eu fizemos desta Villa, de preferência a qualquer outro lugar para fundar este estabelecimento hydrotherapico. Incontestavelmente o clima de Nova Friburgo é o mais salubre e ameno de toda esta província e o que se prestará com mais vantagem ao bom êxito hydrotherapico; e foi esta circumstancia que, acima de toda e qualquer outra consideração de conveniencia, mais conscienciosamente calou em nosso animo. E devião, senhores, decorrer 41 annos, desde que o simples aldeão de Freiwalden, Vicent Priessnitz, fundou, em 1829, o primeiro de todos estabelecimentos hydrotherapicos nos frigidos bosques de Graefenberg da Silesia austríaca, para que Friburgo fôsse destinada pela providência a ser á sede do primeiro estabelecimento hydrotherapico da America do Sul. E nesta ocasião solemne, senhores, eu não hesito, antes orgulho-me em affirmar que tempo virá em que os agradecidos a este tratamento, do alto das serranias de Nova Friburgo, levantarão um grito de reconhecimento que ressoará por todo Império.”

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