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Foto do escritorJanaína Botelho

UM TREM CHAMADO DESEJO



O trem foi uma das grandes revoluções técnicas do século 19, com um impacto muito grande na economia mundial. Em1857, foi celebrado um contrato entre o primeiro Barão de Nova Friburgo, Antônio Clemente Pinto, e o governo da província do Rio de Janeiro para a construção da Estrada de Ferro Cantagalo. O trecho inicial foi de Porto das Caixas até a Raiz da Serra (Cachoeiras de Macacu), inaugurado em abril de 1860. A ferrovia foi criada objetivando o escoamento da produção de café entre a região de Cantagalo e o porto do Rio de Janeiro no qual o Barão de Nova Friburgo era o maior produtor. Já em 1870, Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, o segundo Barão de Nova Friburgo, foi o timoneiro do prolongamento da Estrada de Ferro Cantagalo de Cachoeiras de Macacu até Nova Friburgo. Esse trecho foi inaugurado em 18 de dezembro de 1873, contando com a presença do Imperador D. Pedro II. Em 1877, a província do Rio de Janeiro encampou a Estrada de Ferro Cantagalo e em 1887, a empresa foi vendida à Companhia Estrada de Ferro Leopoldina. Onze anos depois passou a ser de capital inglês, sendo denominada The Leopoldina Railway Company Limited.


Em outros artigos, já descrevi como era uma viagem de trem a Nova Friburgo. Mas volta e meia localizamos registros de memorialistas que recordam a experiência dessa viagem no passado. É sempre interessante revisitá-la e registrá-la. O trem de “passeio” saía no sábado à tarde da Estação de Maruí, em Niterói, e regressava na manhã de segunda-feira. Era o trem dos veranistas. Como durante algum tempo os lugares não eram fixados, havia muito sarilho, e a confusão era frequente. Alguns marcavam lugares para os retardatários, mas passageiros indignados com a “marcação”, removiam os “embrulhinhos” e sentavam no local. Os retardatários ao chegarem reclamavam e muitas vezes facas e revólver eram apontados durante a discussão. Logo que o trem partia, os viajantes envergavam o guarda-pó em razão da poeira que vinha do leito da estrada de chão batido. Nuvens de poeira entravam pelos carros do trem de modo assustador e em razão disso, fechavam-se as janelas, apesar do calor causticante. Na baixada fluminense a paisagem era de casas arruinadas, terrenos alagados, a população alquebrada e macilenta em razão das doenças que grassavam naquela localidade. Duas paradas eram aguardadas com ansiedade: a de Porto das Caixas e a de Cachoeiras de Macacu. Na primeira estação, vendedores pressurosos expunham suas mercadorias como laranja seleta e bahia, tangerinas, cajus, cambucás, sapotis, fruta do conde, banana, entre outras. Porém, era a chegada à estação de Cachoeiras de Macacu o momento mais aguardado e o fim da tormenta da baixada fluminense. Essa estação era bem movimentada. Todos os passageiros desciam para saborear as frutas e as afamadas empadas de camarão e palmito amargo. Vendedores de passarinhos entravam nos carros apregoando os rubros tiês e sabiás. A choradeira dos meninos era intensa quando os pais recusavam a compra dos pássaros e os vendedores só deixavam o carro quando o trem partia. Na subida da serra a temperatura mudava e um ar sereno e fresco, embalsamado pelo frescor da mata, entrava pelos carros do trem. Nesse momento, os inúmeros doentes que procuravam Nova Friburgo em busca da cura ou alívio para os pulmões pegavam um agasalho, enquanto outros, embalados pela docilidade do clima, cochilavam. Cessava a mastigação dos alimentos e o chão do trem era um amontoado de papel e de cascas de frutas. O bem estar era geral. Quando se chegava ao fim da serra, mudava-se a locomotiva, pois para subir as montanhas o trem necessitava de uma cremalheira. Iniciava-se a descida rumo a Nova Friburgo. Quando se chegava à estação da cidade a saída do carro do trem era um verdadeiro atropelo. Boa parte da população friburguense se dirigia afoita até a estação para assistir a chegada do trem de “passeio”. Era um acontecimento social na cidade. Alguns iam esperar parentes e amigos, enquanto moças e rapazes corriam em peso envergando os seus melhores trajes para “ver e serem vistos” no rendez-vous. As moças de chapéu e luvas e os rapazes com “roupa de festa”. Era o momento para o acerto das festas à noite ou no domingo.


O trem foi extinto em Nova Friburgo na década de 60, do século vinte, marcando gerações que conviveram com ele. Não era simplesmente um meio de transporte. O trem pontuava a vida cotidiana dos friburguenses, a exemplo do “vassourinha”, o último trem que trafegava pelo centro de Nova Friburgo em direção a Sumidouro. Levou essa alcunha, pois varria as moças da rua quando passava obrigando-as a se recolherem em suas residências já que a moralidade não permitia que mulheres decentes ficassem pela rua. Fica assim registrada as lembranças de Mário Saraiva, cujos artigos foram publicados pelo jornal A Voz da Serra em meados do século vinte, abrindo mais uma janela do passado para registrar a memória do trem em Nova Friburgo.

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