top of page
Foto do escritorJanaína Botelho

O DESABAFO DE VANOR TASSARA MOREIRA: A TRAIÇÃO NA DITADURA MILITAR



Vanor Tassara Moreira possivelmente é um dos prefeitos mais controvertidos na história de Nova Friburgo. Nascido em Conceição de Macabú em 02 de dezembro de 1925, era filho de um dos médicos mais admirados pelos friburguenses, Dermeval Barbosa Moreira, conhecido como o médico dos pobres, em razão da assistência que dava às classes sociais menos favorecidas. Vanor se candidata a prefeito de Nova Friburgo, sendo eleito pela UDN, mas governando apenas por um curto período de tempo, entre 31 de janeiro de 1963 e 10 de abril de 1964. Foi obrigado a deixar o governo municipal em decorrência do golpe militar instalado recentemente no país, cujos agentes viam em Vanor Moreira uma resistência a nova ordem política, ou seja, ao regime ditatorial. Possuía bom relacionamento com os sindicatos dos ferroviários, têxtil e metalúrgico, e notadamente com os grupos de esquerda de Nova Friburgo. Indicou para líder do governo na Câmara Municipal o vereador comunista Francisco Bravo, que como ele seria igualmente cassado.


Reproduziremos alguns trechos de uma entrevista concedida por Vanor Tassara Moreira aos jornalistas Roberto Grey e Paulo Roberto Costa para a Revista Zoom, ano 02, n°12, de propriedade de Ezídio Barroso. A primeira pergunta foi sobre a sua cassação em abril de 1964, logo no início do regime militar.


“Renunciei espontaneamente com uma metralhadora nas costas. A minha renúncia foi tragicômica. Por exemplo, no Inquérito Policial Militar instaurado contra mim, apareceram diversas fotografias e me perguntaram qual a razão de aparecer nelas, na antiga Estação Ferroviária e hoje prefeitura, numa feijoada com meus amigos ferroviários. Eu então respondi ao Sr. Delegado do DOPS(Departamento de Ordem Política e Social) que gostava de feijoada. Mostrou-me ele outras fotografias perguntando o que eu estava fazendo ali. Senhor delegado, antes de uma feijoada uma caninha cai bem; estava bebendo no bar com meus amigos, respondi.” Indagado sobre as outras acusações que teria sofrido no Inquérito Policial Militar, respondeu:


“...de comunista, o que nunca fui. Também o caso da bandeira a meio pau. Dei ordem a prefeitura que hasteassem a bandeira nacional à meio pau porque eu achava que numa revolução poderia correr sangue de brasileiros e por isso achava que a nação toda deveria estar de luto. E tomaram isso como uma senha. Só na cabeça deles. Não houve tentativa de reação. Tive uns amigos que se apresentaram lá e se dispuseram. Eu falei não. Contra metralhadora não adiante revólver. Houve também o caso do trem da vitória. O Congresso havia aprovado uma lei do deputado Demístocles Batista, beneficiando a categoria dos ferroviários e o presidente, além disso, havia determinado a não extinção do ramal de Nova Friburgo. Os ferroviários organizaram então um comboio especial chamado trem da vitória, para comemorar. Quando digo que os episódios da minha renúncia foram tragicômicos, é que a única participação que tive no trem da vitória foi um ofício que mandei à S. Exa. o Presidente da República de então, Sr. Jango Goulart, sobre as razões socioeconômicas e políticas que desaconselhavam a extinção do nosso ramal, dizendo e profetizando quase o futuro, da exploração das grandes reservas de calcário [refere-se às companhias de cimento de Cantagalo] e que as rodovias que passam por Friburgo não suportariam o trânsito pesado, a carga. Por outro lado, dizia a S. Exa., que a vida dessas famílias de ferroviários que dependiam do trem sofreria e com elas Friburgo como um todo, economicamente. Então veio este trem da vitória, todo enfeitado com bandeiras nacionais, para Friburgo. Meu filho, Demervalzinho, que na época nunca tinha andado de trem, quis andar e já muito curioso, quis vir na máquina; e eu deixei porque tinha confiança nos foguistas e maquinistas. Ele então embarcou em Mury e ao atravessar a praça, começou a badalar os sinos da máquina sem parar. Criaram um caso enorme disso. Disseram que era eu quem vinha na máquina e que estava fazendo agitação. Mentira. Eu vinha num vagão, acompanhado pelo grande deputado Demístocles Batista, que deu uma vida digna aos ferroviários, cassado pela revolução.”


No entanto, de nada adiantou esse esforço. A linha férrea foi desativada em Nova Friburgo em 15 de julho de 1964. Na continuação da entrevista, Vanor Moreira menciona os seus detratores, entre eles, o seu vice, Heródoto Bento de Melo.


Um dos prefeitos mais polêmicos na história de Nova Friburgo, Vanor governa por um curto período de tempo em razão do golpe militar ocorrido recentemente no país, que teve reflexos em seu mandato. Segue o restante de sua entrevista.


“...quiseram me prender depois. Acabada a revolução, que não considero revolução, porque considero revolução aquilo que revoluciona, que muda; considero sim golpe, golpe militar como tantos outros que foram dados na democracia do Brasil. Mas eu ainda perdurei 15 dias. Porém, todos os dias os meus amigos, amigos entre aspas, subiam ao Sanatório Naval para pedir minha prisão. O Heródoto, meu vice na época, era um desses. O Dr. Rafael Jaccoud. Sempre acompanhados pela maioria desses que estão empoleirados até hoje no poder. Agora os nomes que citei eram os mais importantes, os chefes da comandita. O então diretor do Sanatório Naval, meu amigo, Dr. Mário Gregor, não suportando mais as pressões, principalmente do Ministro da Marinha, Almirante Guilhobel, exigiu que a Câmara casasse meu mandato ou senão fechariam o legislativo de Nova Friburgo. Como era um colega, um amigo, o Dr. Mário Gregor, eu disse à ele, amigo é aquele que não deixa o outro em dificuldades. Contra a minha vontade e premiado pelas circunstâncias, hoje mesmo irei renunciar ao mandato que o povo de Nova Friburgo livremente me conferiu. O pedido de papai e de mamãe também contribuíram muito para a minha renúncia. Mamãe principalmente estava na época hipertensa e fiquei receoso com a emotividade dela. Ela, inclusive, ajoelhou-se para mim de mãos postas, dizendo que se eu fosse preso ela morreria. Então, para não ter remorsos pelo resto da vida, achei melhor mesmo renunciar. (...) Pois não é que depois o Heródoto me telefonou dizendo que fazia questão que eu lhe transmitisse o cargo. Respondi, lá eu não vou. Você usurpou o poder e não vou te dar posse porra nenhuma. Fui avisado da minha prisão. (...)Fugi por um avião da VASP por conta do governo de São Paulo, do meu amigo Ademar de Barros.(...) Fomos direto para Brasília para assistir a posse do “sem pescoço”. E achei muito divertido. O Congresso Nacional cercado por tanques e o senador Auro de Moura Andrade, que Deus o tenha, naquela sua vaidade de presidir o congresso, dizendo que o Congresso Nacional na sua alta soberania achava por bem dar posse ao marechal Castello Branco.”


Perguntado se ficou muito tempo foragido respondeu que não e que se dirigiu à Secretaria de Segurança.


“...meu depoimento no IPM durou três horas. Depois mandaram arquivar. Só tinha aleivosias. Não encontraram nada. Disseram que eu pegara em metralhadora para forçar os operários a fazer greve. Não fiz isso. Eu apenas pedi ao tenente, devido a Ordem Pública estar conturbada naquela época e a polícia não era o que é hoje, não tinha Batalhão em Friburgo, apenas meia dúzia de homens, pedi que os operários fossem para casa mais cedo para evitar algum quebra-quebra, para a própria proteção da propriedade. Mas o nazistão, o facistóide do Richard Ihns(executivo da fábrica Rendas Arp) disse que eu tinha empunhado metralhadora.” Indagado sobre a sua postura ideológica, respondeu, “Eu sou humanista. Quiseram me enquadrar como comunista, mas não sou. Tenho amigos comunistas, como tenho amigos que já foram integralistas. (...) Eu sou de centro-esquerda e apenas combato o capital escravagista, o capital espoliador; eu apenas sou contra a exploração da nossa pátria pelas multinacionais, eu apenas acho que o desvalido da sorte deve ter os mesmos direitos que qualquer outro cidadão.” Perguntado sobre quem havia sido preso em 1964, respondeu “Betinho El-Jaick. Andaram também atrás do Chiquinho Pimpão que era vereador na época, comunista. Agora o Ed, ele mesmo se apresentou ao Sanatório Naval e disse, soube que vocês estavam prendendo comunistas, vim aqui para ser preso. Então a oficialidade achou que ele era perturbado da cabeça e mandou ele embora.”


Uma história que deu o que falar foi o de Vanor inaugurar um prostíbulo e ter permanecido toda a noite no estabelecimento.


“Essa história tem uma manobra política por trás. O deputado Bocaiuva Cunha procurou-me para que lhe desse uns votos para deputado federal. Respondi à ele que não podia fazer isso porque estava sendo apoiado em Friburgo por dois candidatos à deputado federal.(...)Parece que ficou aborrecido e aproveitou este episódio da inauguração do prostíbulo de luxo e botou isso no jornal dele, Última Hora. Isso não me atinge. Não fiz nada demais. A prostituição na época estava encravada no seio da família friburguense, no Beco da Oficina. Então amigos meus(...) me pediram para arranjar umas lajotas porque a subida na Chácara do Paraíso estava muito ruim e eles dariam a mão de obra. Acho que não custava nada e que um prostíbulo de luxo era melhor do que o que já existia, que não era de luxo e estava encravado no centro da cidade. Então dei as lajotas e eles me convidaram para a inauguração, que gerou essa celeuma toda.”


Leitor do livro “Questão Agrária”, de Caio Prado Junior, Vanor considerava que um dos maiores problemas do país era a questão da Reforma Agrária. Era defensor do cooperativismo e da reforma tributária com mais recursos para o município e o meio ambiente. Vanor Tassara Moreira faleceu em 05 de dezembro de 2004, e desde a sua renúncia nunca mais conseguiu retomar a vida política, possivelmente em razão de seu problema com alcoolismo. Quando concedeu a entrevista, declarou que há quatro anos não fazia uso do álcool. “O fato de eu ter bebido foi usado e abusado contra mim na política. Acho que nunca fiz coisa alguma que desabonasse a minha conduta.”

20 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page