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Foto do escritorJanaína Botelho

A PRISÃO SEM CULPA NA DITADURA MILITAR: CARTA DE HUMBERTO EL-JAICK



O ano era o de 1964. César Lívio(06/01/1943) era estudante secundarista do Colégio Municipal Rui Barbosa do turno noturno. Saindo do trabalho na fábrica Filó se dirigiu ao Colégio Rui Barbosa e como fazia sempre, tomou o mingau que era oferecido aos alunos enquanto esperava no pátio do colégio o início da aula. Mais um dia na rotina de César Lívio entre o trabalho e o colégio. No entanto, aquele não foi um dia de aula qualquer. Foi um dia atípico. Antes mesmo do início das aulas um jeep do exército estacionou em frente ao colégio dele saindo seis soldados. Os militares entraram no colégio e efetuaram a prisão de Humberto El-Jaick, professor da história da instituição. César Lívio nunca esqueceu esse dia. O adorado professor de história trajava um terno branco quando foi preso. Saiu aparentando tranqüilidade e ainda acenou com um adeus aos seus alunos. Nesse dia não houve aula e nem no dia seguinte. Os alunos quiseram incendiar o colégio, que fora uma antiga fábrica de carretéis e ainda guardava muito material no depósito na escola. Porém, o Prof. Coutinho contemporizou com a turba. César Lívio, que fazia parte do Centro Estudantil Rui Barbosa, chegou a ser perseguido pela polícia do exército durante algum tempo. Rondavam sua casa. Teve medo. Eram tempos difíceis.


Humberto El-Jaick, da prisão, escreveu a seguinte carta que foi publicada em A VOZ DA SERRA de 25/26 de abril de 1964. A censura do governo militar ainda não atingira a imprensa:


Polícia Militar. Niterói, 18 de abril de 1964. Minha querida esposa. Lamento o sofrimento que meus inimigos gratuitos estão causando a você e a nossos idolatrados filhos com a injustiça da minha prisão. Se o pensamento revolucionário está consubstanciado nesta frase do atual presidente, sou também um revolucionário, estou no caminho certo, não tenho por que temer nem me penitenciar. Sabe você, sabem nossos filhos e nossos amigos, sabem nossos leais adversários que o meu procedimento político outro não tem sido senão o de lutar democraticamente pela Humanização do homem e pelo desenvolvimento de nossa estremecida Pátria. Sabem todos, e mais que todos Deus é testemunha, que sempre repeli com a mesma veemência todas as formas de extremismo. E se repilo os extremismos é porque sempre coloquei acima de todos os bens humanos o que me parece supremo e inviolável: a LIBERDADE. Não sei ainda porque estou preso. Minha consciência está tranqüila. Minha vida, meu passado e meu presente responderão por mim. O povo de Friburgo que me julgue. Quem tiver alguma prova capaz de me condenar na presente conjuntura, que a apresente às autoridades antes do meu julgamento. É um repto de honra que lanço desta prisão ao povo da minha terra. A despeito das calúnias, das infâmias, das intrigas, de tudo, ainda creio na justiça dos homens. O sofrimento purifica os nossos sentimentos. A injustiça nos torna mais justos e chego mesmo a pensar que todos os homens deveriam sofrer injustiças para aprenderem a ser justos. Aos que me acusam levianamente, as despeitados, aos covardes e aos corruptos que não trepidaram em me afastar de você, dos nossos filhos, dos meus amigos e dos meus alunos, respondo com a minha comiseração pois hão de sentir indignos deles mesmos. Não lhes guardo nenhum ódio nem desejo de vingança.(...)Minha querida esposa ainda não me refis de todo do impacto da injustiça sofrida. Posso, no entanto concatenar minhas idéias e fazer um retrospecto de todas as minhas atividades políticas. Confesso a você que se for condenado pelos crimes de que posso ser acusado, prefiro a condenação porque ainda entendo que é melhor morrer com honra do que viver sem dignidade. Minha vida, toda Friburgo é testemunha, tem sido em favor da educação da infância e das juventudes pobres. Por elas, e aí é que imploro seu perdão e dos nossos filhos, tenho sacrificado o bem estar material de vocês. Nunca lhes pude dar o conforto que merecem mas jamais um de vocês reclamou o meu procedimento em favor dos mais necessitados. Antes, pelo contrário, Você Minha Querida Esposa tem sido o dínamo que me impulsiona nas horas de abatimento e de decepção. Contrária à minha participação na política, mesmo assim, você nunca me deixou sozinho em todos os momentos da minha vida. Beije duas vezes os nossos filhos, por mim e por você. Diga-lhes que qualquer que seja o meu sacrifício em favor deles é pouco pelo muito que os adoro. Lamento ainda uma vez o sofrimento que lhes estou causando. Lamento mas não peço perdão. Perdão é para os que erram. Estou convencido de plena consciência que todas as minhas atitudes têm sido em benefício da Família Brasileira e de nossa inigualável Pátria.(...) estarei mais firme do que nunca para prosseguir na luta pela consolidação de um regime democrático autêntico que possibilite a todos, ricos e pobres, uma vida digna e humana alicerçada nos insuperáveis e imperecíveis ensinamentos de Cristo no Sermão da Montanha. Abraços e beijos. Humberto.”


Humberto El-Jaick(1922-1990) foi um dos fundadores e Presidente do Partido Socialista Brasileiro e Deputado Federal pelo PTB de 1963-1967. Durante o golpe militar de 1964 foi preso e cassado, tendo seus direitos políticos suspensos durante dez anos. Fundou o novo PTB juntamente com Leonel Brizola. Essa carta de demonstra o clima tenso pelo qual passava Nova Friburgo, numa onda de denuncismos que derrubou até o prefeito Vanor Moreira, acusado de comunista, e a prisão de todos aqueles que se manifestavam contra o regime militar, que se perguntavam, como Humberto El-Jaick: “Não sei ainda porque estou preso.”



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