Em 25 de julho de 1889 a Marinha instalou em Nova Friburgo duas enfermarias na rua Gal. Osório para tratamento de oficiais e praças da armada acometidos de beribéri. O índice de mortalidade dos marujos instalados na ilha do Bom Jesus preocupou o Barão do Ladário, ministro da Marinha. Foram alugadas provisoriamente por esta instituição duas pequenas chácaras com casas de vivenda na Rua General Osório. O prédio da primeira chácara era elevado do solo mais de um metro, com sete janelas de frente e sete laterais. Possuía três enfermarias “acanhadas” iluminadas a querosene. A primeira com 9 leitos, a segunda com 7 leitos e a terceira enfermaria destinada aos menores com 12 leitos. Havia um quarto para o médico, sala de jantar, despensa, uma saleta e uma cozinha. Fora do prédio uma banheira e latrina para os militares oficiais e duas latrinas para os “inferiores”. Um grande pátio era destinado ao recreio dos doentes e a trabalhos ginásticos tendo em ambos os lados um jardim. Próximo ao edifício havia dois depósitos, sendo um para a lenha. A segunda chácara era situada na mesma rua e a poucos metros da primeira. O prédio pouco elevado do solo possuía quatro janelas de frente e sete laterais. Havia seis saletas que formavam pequenas enfermarias, a primeira com 5 leitos, a segunda com 2 leitos, a terceira com 3 leitos, a quarta com 4 leitos, a quinta com 3 leitos e a sexta com 9 leitos. Uma saleta servia de quarto para o médico e havia ainda uma sala onde ficava a farmácia. Neste edifício havia um refeitório para os enfermos e os serventes, quartos para os enfermeiros, alojamento para oito serventes, uma cozinha com despensa e duas latrinas. Os dois prédios se comunicavam por um caminho interno que unia as duas chácaras. Em uma das inspeções foi elogiado o asseio das enfermarias bem como as roupas dos enfermos. No entanto foram criticadas condições anti-higiênicas a exemplo da inconveniência de calhas a descoberto por onde passavam as matérias fecais até o seu transporte ao rio Bengalas. A pressão da água era tamanha que as fezes saíam fora das calhas formando focos de infecção. Outro problema apontado foi a aglomeração dos enfermos com leitos muito próximos um do outro. Com janelas venezianas para entrada do ar, ocorria a aeração constante dos prédios ficando elas abertas o maior tempo possível. Isto parece ter minimizado o problema da aglomeração. Mas por que a Marinha escolheu Nova Friburgo para o tratamento das praças da armada acometidos de beribéri? Dois foram os motivos que corroboraram, a salubridade do clima das montanhas bem como o uso da hidroterapia, e notadamente das duchas recomendadas para o tratamento desta doença, no instituto que havia em Friburgo. O Instituto Sanitário Hidroterápico ou Casa de Duchas foi construído em 1870 pelos médicos Carlos Éboli e o Dr. Fortunato. Com o falecimento de Éboli, em 1885, o instituto passa a ser dirigido pelo médico Theodoro Gomes. Anexo ao instituto havia o Hotel Central, hoje o Colégio N.S. das Dores que hospedava os pacientes do instituto oriundos de outros municípios. Vamos conhecer um relatório de uma das inspeções realizada na enfermaria de Nova Friburgo e que curiosamente foi publicado no jornal, algo impensável nos dias de hoje por se tratar de assunto interno da Marinha. “Ao sr. Ministro da Marinha dirigiu em data de 30 do corrente o diretor de hospital de Marinha, o sr. Dr. Beato de Carvalho e Souza o seguinte ofício. Ilmo e Exmo senhor. Tenho a honra de comunicar a V.Exa. que, em cumprimento à ordem verbal que me foi dada por V. Exa para visitar a enfermaria dos doentes de beribéri estabelecida em Nova Friburgo, para lá parti no dia 25 do mês passado. A inspeção que ali procedi, com todo o cuidado, me produziu a melhor impressão, porquanto encontrei a enfermaria em muito asseio e limpeza, e os enfermos com boa aparência de saúde e bem estar, o que tudo dizia que em suas consciências havia a confiança e esperança de breves restabelecimentos. Cumpre não ocultar que alguns, ou por outra, aqueles que foram paralíticos e com atrofias musculares ainda se acham muito enfraquecidos, e que só agora e depois de trinta e tantas duchas é que deixaram as muletas e principiam a caminhar sós e apenas firmados em suas bengalas. O tratamento geralmente adotado tem sido uma alimentação farta e apropriada ao estado de cada um, vinhos reconstituintes, do Porto, tônicos, passeios ao ar livre, exercícios ginásticos e sobretudo duchas simples e escocesas, o que tudo tem produzido ótimos resultados. O número de doentes em tratamento naquela enfermaria sobe a 64, dos quais vinte e tantos em condições de terem alta. Os outros, uns em plena convalescença e outros ainda necessitam de longo tratamento por se acharem muito fracos e agora em começo de regeneração. Nenhum óbito. (...) A remoção dos doentes de beribéri para aquela localidade [Friburgo] a ter a sua consciência tranquila e aplaudir a resolução de V. Exa. em fazer efetiva aquela mudança como um paradeiro aos óbitos repetidos que se davam nas praças da armada, quando em tratamento da ilha do Bom Jesus. Por este ofício se pode apreciar as vantagens da acertada deliberação do sr. Barão do Ladário criando a enfermaria em Nova Friburgo e providenciando para que nada faltasse às praças da armada afetadas de beribéri e ali recolhidas.” Jornal do Commercio, 7 de setembro de 1889.
Tudo indica que duas foram as razões para a escolha de Nova Friburgo. A primeira foi a salubridade do clima das montanhas e a segunda o uso da hidroterapia, notadamente das duchas, do Instituto Sanitário Hidroterápico instalado no centro da cidade. As sessões de duchas no Instituto eram iniciadas às seis horas da manhã e as praças vinham por turmas, levando aproximadamente uma hora e vinte minutos todo o tratamento. Não havia consenso entre os médicos sobre o benefício do uso das duchas para o tratamento do beribéri. Mesmo os que defendiam o seu uso faziam no entanto restrições relativas ao momento em que as duchas deveriam ser empregadas. Haviam médicos que afirmavam que a influência benéfica do clima de Nova Friburgo tinha um papel muito mais relevante no restabelecimento ou melhora dos enfermos do que o uso das duchas. Em um mapa elaborado pelo Dr. Galdino Cícero de Magalhães, diretor da enfermaria de Friburgo, há informações sobre as duchas aplicadas em 50 pacientes durante 34 dias, no período de 29 de julho a 31 de agosto. Segundo o médico os paralíticos usavam as duchas quentes e frias, estas últimas denominadas de escocesas. Já os que podiam caminhar eram submetidos apenas às duchas frias. Conforme o diretor a hidroterapia era um tratamento de primeira ordem para o beribéri oferecendo sólidas garantias de curabilidade. Não havia registro de efeitos colaterais na utilização das duchas. Em setembro de 1889 um editorial publicado no Diário de Notícias intitulado “O beribéri na Marinha” contém severas críticas às condições sanitárias da enfermaria de Nova Friburgo, mormente em relação a superlotação. Conforme o jornal as enfermarias nos dois prédios não poderiam comportar mais de 35 doentes, mas a lotação era bem superior. Em uma das inspeções haviam 54 enfermos. “O que este papel apresenta em relevo são os defeitos higiênicos das enfermarias ora existentes ali, em geral acanhadas, com pouca elevação acima do solo, desprovidas de sentinas asseadas, algumas sem água, sob o mais grosseiro sistema de esgotos por meio de calhas descobertas que envenenam a atmosfera e vão enfestar o rio; não se oferecendo sequer nestes estabelecimentos o mínimo da capacidade normal para os doentes aglomerados em número de 47, em um espaço que mal poderia comportar 35.” O dr. Magalhães se defendeu declarando que os dois prédios comportavam 50 leitos e que a distância entre eles era de mais de um metro. “As sentinas são asseadíssimas, não exalam o menor odor, ambas têm o seu encanamento até o rio e são lavadas algumas vezes por dia.(...) Nesta vila não há encanamentos de materiais fecais, algumas casas usam de valas, outras servem-se de urinóis e despejam no rio.” Continua o diretor. “É certo que tem havido alguma repugnância da parte do público na promiscuidade com as praças, mas não pelo receio do contágio. Grande parte dos doentes do estabelecimento[hidroterápico] compõem-se de beribéricos e seria ridículo que tivessem medo de outros beribéricos. O Dr. Theodoro receia que havendo grande afluência de clientes no fim do ano torna-se difícil duchar as praças da armada e neste sentido tem conversado, mas nunca pensou em fechar o estabelecimento à Marinha, o que é coisa muito diversa de fechar as portas. Já combinamos em alterar a hora, começando no verão as duchas às 5 horas da manhã.” Havia sido noticiado que o diretor do Instituto Sanitário dr. Theodoro Gomes decidira pôr termo ao tratamento das praças da armada “pois que a ideia de contágio que se tinha insinuado no espírito do povo e a promiscuidade das praças com os seus doentes que procuravam as duchas produzia a repugnância, obrigando-os a abandonar a casa[Instituto].” Lembrando que acreditava-se que o beribéri era uma doença contagiosa, o que não é, mas apenas uma deficiência vitamínica. Ainda segundo o jornal o diretor do estabelecimento ameaçou suspender a aplicação das duchas aos doentes da armada. O Ministro da Marinha Barão do Ladário parece não ter gostado da suposta decisão do diretor do instituto e mandou recado em carta publicada no jornal do Commercio. “Nunca pretendi manter ali definitivamente naqueles prédios a enfermaria em Nova Friburgo ou qualquer outro ponto semelhante. O governo cogita de estabelecer um edifício mais vasto e apropriado a um hospital para beribéricos e convalescentes da armada.(...)Sobre a deliberação tomada pelo diretor do estabelecimento hidroterápico, sentindo a falta de seu valioso concurso, vou tratar de remover a contrariedade tomando providências que o caso exige.” A Marinha iniciou negociações com a viúva do Dr. Carlos Éboli para a compra do Instituto Hidroterápico. No entanto Rui Barbosa que frequentava assiduamente a cidade serrana protestou contra esta aquisição. Em carta aberta publicada na imprensa argumentou que a Marinha iria instalar um “centro de peste” ameaçando a salubridade de Nova Friburgo. O jurista venceu a batalha retórica e anos depois a Marinha adquiriu o pavilhão de caça da família Clemente Pinto onde se encontra até hoje.
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