No início do século dezenove, os indígenas Puri habitavam a Fazenda do Córrego d’Anta reservada como patrimônio pessoal de D. João VI, por ocasião da fundação do município de Nova Friburgo. O juiz Cansanção de Sinimbu nos informa que o Aviso de 3 de dezembro de 1819, determinou removê-los em um aldeamento para não incomodarem os imigrantes suíços que eram esperados na colônia. Na Fundação D. João VI há uma correspondência de 23 de novembro de 1824, com a referência de que os indígenas foram empregados para abrir picadas nas glebas doadas aos colonos suíços. O pesquisador Carlos Jayme Jaccoud faz um relato de que em Córrego d’Anta foi encontrado um machado de pedra polida na propriedade de sua família. No terceiro distrito de Nova Friburgo, em Salinas, localizei na propriedade de Almir Tardin um precioso acervo de artefatos indígenas encontrados na região. Os Puri e Coroado habitavam a região serrana e noroeste fluminense onde havia igualmente os Koropó e Goytaká. As duas etnias Puri e Coroado atualmente formam um mesmo povo compartilhando a língua e a cultura. O povo Puri é originário de quatro estados do Sudeste como o Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo. Ocuparam tradicionalmente toda a região banhada pela bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. Os indígenas Botocudos são representados como o mais ferozes, antropófagos e rudes. O ataque a um quartel no Vale do Rio Doce motivou D. João VI, em 1808, a declarar guerra contra os Botocudos. A historiadora Txâma Xambé nos informa que a denominação Botocudo era depreciativa e se aplicava majoritariamente aos Borum, que viriam a se chamar posteriormente Krenak. Era comum chamar de botocudo ao indígena resistente ao aldeamento e à catequização, o que na prática incluía os Puri, considerados pelo governo como selvagens. Os termos tapuia, botocudo e índio bravo se cruzam nos registros e no imaginário da época em oposição aos índios mansos, de catequização viabilizada pelo uso de línguas Tupi, conhecidas pelos colonizadores. Conforme os historiadores Tutushamum e Txâma Xambé, os Puri sofreram um processo de genocídio e etnocídio ao longo dos séculos dezoito e dezenove com a expropriação de seus territórios, diáspora da população sobrevivente e negação de sua existência pelo Estado e pela História oficial. No entanto, a memória da identidade Puri permanece viva nas regiões ocupadas tradicionalmente por esse povo. Atualmente, os povos indígenas tem obtido cada vez mais o reconhecimento de seu verdadeiro lugar na história, na cultura e na sociedade, desafiando a política assimilacionista que pretendia extingui-los. No ano de 2011, o historiador Tutushamum deu início a um projeto denominado de Movimento Txemím Puri, composto por Puris dos quatro Estados anteriormente mencionados. Realizam pesquisas sobre a história, a língua e a cultura de seu povo, promovem o ensino bem como o uso de sua língua e realizam o registro dos saberes de anciãs e anciãos das comunidades Puri, preservando suas práticas culturais. O movimento Txemím Puri igualmente apoia educadores interessados em incluir conteúdos de história e cultura Puri em seu trabalho pedagógico. Possui as publicações “Vocabulário Bilíngue Kwaytikindo-Português” e “Povo Puri, História, Cultura e (R)Existência”, volume 1. É o primeiro livro sobre história, língua e cultura Puri produzido por Puris, disponibilizado aos educadores. Participa do movimento o escritor e contador de histórias Dauá Puri que costuma realizar oficinas de contação de lendas e tradições Puri. Uma das preciosidades do movimento Txemím é o resgate de cânticos Puri com a sua tradução e que passo a transcrever. O primeiro canto é o “Kanaremundê, Ho bugure”. Hô bugure ita naji. Gwaxantl’eh, gwaxantl’eh, gwaxantl’eh, gwaxantl’eh. Ah, ah kanjana, Maxe tx’mba. Oh, os inimigos foram vencidos. Pular, pular, pular, pular. Eu, eu, bebida. Comer, Beber. O segundo canto é “Kanaremundê Petara”. Petara, petara, poteh, miripon. Ximan xuteh, okora dieh. Lua, lua, luz da noite. Caminho bom, você no céu. O terceiro “Kanaremundê Tangwetá”. Hê hê, hê hê, hê hê hê, hê hê. Tangweta tangwa txo. Ñawera txori kemun. Hê hê, hê hê, hê hê hê, hê hê. Ey lakareh, omrin, apon. Ah sate prike txo.Hê hê, hê hê, hê hê hê, hê hê. A sombra observa o macaco. Ñawera caminha na floresta. Hê hê, hê hê, hê hê hê, hê hê. Meu braço, arco, flecha. Eu vejo irmãos, irmãs. Finalmente o canto “Kanaremundê Tenu-Ahi”. Tenu-ahi, opê potê, tenu-ahi, Tenu-ahi, axe maxe, tenu-ahi. Tenu-ahi, petara sayma, tenu-ahi. Tenu-ahi, ñaman ñamaytu, tenu-ahi. Tenu-ahi, txuri sayma, tenu-ahi. Tenu-ahi, sate makapon, tenu-ahi. Grato, luz do sol, grato. Grato, alimento da terra, grato. Grato, lua brilhante, grato. Grato, frescor da água, grato. Grato, estrela brilhante, grato. Grato, amor dos irmãos, grato.
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