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Foto do escritorJanaína Botelho

MOSTEIRO DA SANTA CRUZ: PARA A GLÓRIA DE DEUS



Entrevistei o monge Plácido do Mosteiro da Santa Cruz. Foi uma das entrevistas mais instigantes que já fiz em minha vida. De nacionalidade francesa, natural da belíssima região de Champanhe, na França, o monge não se sente confortável em revelar o seu nome de batismo e prefere ser chamado de irmão Plácido. Foi um dos fundadores do Mosteiro da Santa Cruz, em Nova Friburgo, instalado em uma propriedade doada por um brasileiro, localizado no quilômetro 02 do Alto dos Mecheis, estrada Luiz Carlos Toledo, no distrito de Riograndina. Seguindo a ordem dos beneditinos foram igualmente cofundadores outros cinco monges, tendo como prior o brasileiro D. Tomás de Aquino Ferreira da Costa. Mas toda a história desse monastério tem início na França. Dom Gérard Calvet, descontente com o rumo progressista da Igreja, recebe autorização para fundar uma comunidade perto de Avignon, o priorado Sainte Marie-Madeleine. Nessa ocasião, estabelece contato com Dom Marcel Lefebvre, do Seminário de Ecône, na Suíça, de quem recebe incentivo e ajuda. Mas o priorado de Sainte Marie-Madeleine inicia a construção definitiva do monastério em outra localidade, em Le Barroux, no sul da França, com a denominação de Abadia de Sainte-Madeleine du Barroux. Anos depois, Dom Gérard decide estender o mosteiro ao Brasil, possivelmente por sugestão de dois brasileiros em sua comunidade. Em 3 de maio de 1987, inicia a vida monástica dos beneditinos em Nova Friburgo. No entanto, no ano seguinte à fundação, Dom Gérard se desliga da orientação de Marcel Lefebvre tomando uma nova direção. O mosteiro em Nova Friburgo, consequentemente, perde os laços com o de Le Barroux, permanecendo fiel aos princípios de Lefebvre. Em todos os anos de funcionamento recebe, tanto do Brasil como da Europa, apoio material e espiritual permitindo a continuidade da vida monástica. Mas quem foi Dom Marcel Lefebvre? Para entender a sua importância na história da Igreja Católica, temos que retornar ao Concílio Vaticano II. Vigésimo primeiro Concílio Ecumênico da Igreja Católica, ocorreu na cidade-Estado do Vaticano no ano de 1961, por convocação do Papa João XXIII. Prelados de diversos países discutiram e regulamentaram vários temas da Igreja Católica produzindo constituições, decretos e declarações aprovadas pelo concílio. Seu término foi no final do ano de 1965, já sob o papado de Paulo VI. Foi um momento de reflexão da Igreja sobre si mesma e sobre as suas relações com o mundo contemporâneo. As mudanças exigiam serem decifradas à luz dos dogmas da Igreja, atendendo às exigências do mundo moderno. Os padres conciliares se organizaram em torno de duas frentes, uma conservadora e outra progressista, sendo que os progressistas contavam com cerca de 90% dos votos. Nesse concílio, entre as várias decisões, reformou-se a liturgia em que a missa de rito romano foi simplificada e passou a ser celebrada no vernáculo, ou seja, no idioma local. Entre as várias decisões foram aprovadas a liberdade religiosa, a estruturação dos seminários, o ecumenismo, o reconhecimento do progresso científico e a tolerância e aproximação com muçulmanos, judeus e outros credos. Mesmo com todos esses avanços não se negou a crença de que só por meio da Igreja Católica se pode obter toda a plenitude dos meios de salvação. No entanto, o resultado do Concílio Vaticano II não agradou a muitos membros da Igreja Católica, entre eles, Dom Marcel Lefebvre. Os tradicionalistas rejeitaram quase todas as reformas aprovadas por considerarem uma ruptura com a tradição católica. Dentre estas renovações rejeitadas destacam-se em particular a questão da liberdade religiosa, do ecumenismo e da reforma do ritual romano da missa. Esses conservadores acusam o concílio de ser uma das causas principais da atual crise na Igreja, no declínio do número das vocações sacerdotais, de católicos praticantes e na perda de influência da Igreja no mundo ocidental. Quem protagonizou essas críticas e se notabilizou foi o arcebispo Dom Marcel Lefebvre, tornando-se um dos promotores do movimento tradicionalista católico. São as suas orientações que os monges do Mosteiro da Santa Cruz seguem até hoje, rompendo com a Igreja Católica de Roma.


O Mosteiro da Santa Cruz tivera em sua fundação laços com a Abadia de Sainte-Madeleine du Barroux, na França, mas perdeu a ligação com essa abadia em virtude de dissenções, conforme expliquei no artigo anterior. Esse monastério segue a linha dos tradicionalistas que discordam de quase todas as decisões tomadas no Concílio Vaticano II, realizado na cidade-Estado do Vaticano, no ano de 1961. Um dos maiores críticos foi o arcebispo Marcel Lefebvre que em artigos e homilias declarou que o concílio foi resultado de uma infiltração maçônica na Igreja. O papa João Paulo II declarou a excomunhão de Lefebvre que faleceu ano de 1991, aos 85 anos, não se reconciliando com a Igreja Católica. Estabelecido há trinta e dois anos em Nova Friburgo, no Mosteiro da Santa Cruz são realizadas missas tridentinas, em latim. O João Paulo II concedeu uma autorização excepcional para a celebração da missa tridentina em casos específicos, já que havia sido abolida por aquele concílio. Na missa, as mulheres devem fazer uso do véu e ambos os sexos ficam separados em duas alas na igreja. Canta-se o gregoriano e toda a missa é cantada pelos monges. No Mosteiro da Santa Cruz, durante o dia, a divisão do tempo é como nos monastérios da Idade Média. A rotina dos monges tem início às 03:30 da madrugada, as matinas, seguidas da Lectio Divina. Às 06:00 as laudes, seguidas de oração mental; às 07:00, o café da manhã; às 07:30 a prima, seguida de aulas. Às 11:00 a terça e missa conventual; às 12:00 a sexta, seguida de almoço; às 14:15 a noa, seguida de trabalho manual; às 17:00 as vésperas, seguidas de oração; às 18:00 o jantar; às 18:45 o capítulo; às 19:00 as completas e às 20:00 todos devem se recolher e dormir. Os monges não podem falar durante o dia entre si e se comunicam apenas com sinais. Valoriza-se muito o silêncio. Vivem uma vida contemplativa e oram todo o tempo. Na sua admissão fazem voto de pobreza. O mosteiro mantém há vinte anos o Colégio São Bento, Santa Escolástica, que dá formação desde a educação infantil até o segundo segmento, que corresponde ao nono ano. Na escola, diariamente é celebrado o santo do dia, quando é contada a sua história. A cada mês, a história de um santo é narrada mais detalhadamente. Reza-se diariamente uma dezena do terço. O Hino Pontifício, do Vaticano, é cantado periodicamente pelas crianças. Chamou-me a atenção o uniforme das professoras. Um vestido longo preto, sobre uma camisa branca, tudo com muito recato. As meninas têm o uniforme semelhante ao das professoras. No recreio, os meninos são separados das meninas. Indagando sobre a admissão de novos monges, segundo o irmão Plácido, o nível de evasão é alto quando entram para o monastério ainda muito jovens. Já os que entram com dezoito anos ou mais permanecem, em sua maioria. O irmão Plácido faz severas críticas ao rumo tomado pela Igreja Católica a partir do Concílio de Vaticano II. É contrário a tolerância religiosa e prega a universalidade da Igreja Católica. Não concorda com a aproximação dos católicos com as outras religiões como o islamismo, o judaísmo, o budismo e o hinduísmo. É absolutamente contra o uso de anticoncepcionais. Quando fiz a entrevista não pude ter acesso na parte em que os monges circulam, mas pode-se vê-los durante a missa, não obstante existir um biombo de madeira, em forma de treliça, para ocultá-los. Reclusos, isolados dos acontecimentos do mundo, me surpreendeu que tivessem aceito me conceder uma entrevista. Quando perguntei ao irmão Plácido porque aceitou me receber, ele me respondeu que não foi por vaidade pessoal, mas sim, para a Glória de Deus.


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