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Foto do escritorJanaína Botelho

ASCENSÃO E QUEDA DO FUTEBOL EM FRIBURGO



À Câmara Municipal foi dirigida, merecendo largo despacho favorável, um requerimento dessa novel sociedade que moços de nossas melhores famílias acabam de constituir. Com verdadeiro prazer noticiamos essa criação que, francamente, era a muito esperada, pois não se compreendia bem como tendo o football empolgado os rapazes no Brasil, não se influíssem com eles os friburguenses aqui, que esse sport tem toda a sua razão de ser. Parabéns aos seus iniciadores!”


Foi assim que o jornal A Paz, de 07 de dezembro de 1913, noticiou o primeiro clube de futebol em Nova Friburgo. Mas quem seriam estes rapazes das “melhores famílias” friburguenses? Em 26 de abril de 1914, Ralim Abud juntamente com os Spinelli, Sertã, Van Erven, Braune, Mastrângelo, entre outros, fundaram o Friburgo Football Club, formado por rapazes da elite da cidade, adotando as cores vermelho e branco em seu time. Já no ano seguinte, em 05 de dezembro de 1915, é criado o Esperança Futebol Clube, formado por operários da cidade. Surgem divergências dentro Friburgo Futebol Clube e um grupo se insurgem, formando em 14 de março de 1921, o Fluminense Atlético Clube. Curiosamente, usava as cores azuis e brancas e não tricolor como seu homônimo carioca. O Fluminense foi um clube que até 1942, conquistou a hegemonia do futebol friburguense, porém, foi o Friburgo Futebol Clube que arrebanhou o maior número de títulos nos campeonatos. O Fri-Fru era a partida mais disputada. Em 1925, surge o Clube Sírio-Libanês, patrocinado pela colônia de libaneses, cujo uniforme era idêntico ao do C.R. Flamengo do Rio. Serão estas quatro equipes que irão formar, neste mesmo ano,a Liga Friburguense de Desportos, outrora Associação Serrana de Esportes Atléticos(ASEA), fomentando os campeonatos na cidade.


Eis a grande largada e triunfo do futebol friburguense: os campeonatos interclubes que depois resultarão na participação nos jogos intermunicipais, dando os times de Friburgo um show de bola. O primeiro campeonato interclube foi em 1925 e quem venceu foi o Fluminense. A rivalidade foi tamanha que no ano seguinte não houve campeonato. Em 1927, voltaram os jogos interclubes e o Fluminense ganhou. Novamente dois anos sem campeonato, devido a dissensões e somente a partir de 1930, voltam os jogos interclubes a ocorrer na cidade. Devido aos campeonatos, o futebol se dissemina em Friburgo e começam a surgir os times de bairro, da segunda divisão. Com características bairristas surgem o Esporte Clube de Santa Luiza, do Cônego; o Esporte Clube São Pedro, de Duas Pedras; o Amparo Futebol Clube(1922); o Futebol Clube Conselheiro Paulino; o Serrano Futebol Clube, de Olaria; o Esporte Clube Vilage (1948); o Esporte Clube Saudade; o Esporte Clube Filó (1940); o Flamenguinho; o América Futebol Clube, alguns com existência efêmera, a exemplo do Esporte Clube Brasil (1918), que durou apenas nove meses.


Como os clubes se mantinham? Estes clubes viviam praticamente de campanhas, a exemplo da venda de rifas. Alguns tinham o denominado sócio- contribuinte, que pagava uma mensalidade. A partir de década de 60, por exemplo, o Friburgo Futebol Clube passou a ter sócios-proprietários, que adquiriam títulos dos clubes. Mas percebe-se mesmo que o que mantinha estes clubes era o mecenato, ou seja, particulares que doavam dinheiro espontaneamente. Foram importantes mecenas do futebol de Friburgo as famílias Guinle, Sertã e Spinelli. César Guinle doou a área onde é hoje o campo do Friburguense Atlético Clube, homenageando seu pai, Eduardo Guinle com o nome do estádio. O então prefeito César Guinle doou tanto propriedades particulares como áreas pertencentes à municipalidade para diversos clubes. A família Sertã doou o terreno do atual estádio do Nova Friburgo Futebol Clube. Álvaro de Almeida, que foi deputado e vice-prefeito, foi um empresário do ramo de madeiras que se tornou outro mecenas do futebol. Trouxe muitos jogadores do interior do estado empregando-os em sua empresa e igualmente assim fizeram os Spinelli. Alguns ex-jogadores que se tornaram bem sucedidos, a exemplo da Amâncio Mário de Azevedo, que foi prefeito na cidade, também ajudou o futebol. O voluntariado e o amor a este esporte tinham exemplos surpreendentes. João Caputo, de família de comerciantes italianos tradicionais da cidade, todos os dias, às 6:00 horas da manhã, ia ao campo do Fluminense molhar a grama para que ela pegasse.


Era também um tempo em que os jogadores não tinham qualquer remuneração, recebendo no máximo o “bicho”, ou seja, um prêmio, obtido pelos clubes com a renda dos jogos. Havia rotatividade de jogadores entre os clubes? Havia sim. Quando um jogador ia se casar ele pedia os móveis de quarto, um fogão ou uma bicicleta para passar de um time a outro. Mas a moeda mesmo era um emprego. Quando se queria contratar um bom jogador, oferecia-lhe um bom emprego e trazia-o para o time. Valia tudo para se ter um “cobra” no clube. Para um jogador que precisou passar no exame escolar, conseguiu-se a prova na escola e ele “treinou” antes em casa. E não é que foi reprovado? O período de 1940 a 1970 foi o auge do futebol em Friburgo, nos informa Rodolfo Abud. Domingo era um dia consagrado ao futebol para todas as classes sociais, transformando-se as “belas praças de sports” em espaço de sociabilidade de homens, mulheres e crianças. Os jogos iniciavam às 8:00 horas da manhã, aos domingos, jogando as categorias infanto-juvenis. As famílias assistiam aos jogos pela manhã e ao meio-dia iam almoçar em casa. Retornavam e assistiam aos jogos até as cinco horas da tarde. Cada um destes clubes possuía quatro categorias: infantil, juvenil, segundo e primeiro quadro. Era um tempo em Friburgo de vidraças quebradas e desespero das donas-de-casa, pois em cada terreno baldio surgia um campo de futebol. No burburinho da cidade circulavam nomes como Juca, Rudilardo, Negrinhão, Bichinha, Alemão, Chico Pau de Fumo, Banana, Cabrita, Totó, Futrica, entre outros. As bandas Euterpe e Campesina participavam de todos os acontecimentos festivos envolvendo o futebol. Ângelo Ruiz, que possui uma detalhada pesquisa sobre a história do futebol em Friburgo, nos informa que “os rapazes da cidade logo abraçaram o futebol, pois já estavam fartos de pic-nics, bailes, namoros melosos e outros passatempos da época. Mas as mocinhas casadoiras seguiram-lhes o rastro e passaram a assistir às partidas de futebol”. O “belo sexo” se fez presente, tornando-se madrinhas ou rainhas dos clubes e foi lembrado no hino do primeiro clube da cidade, o Friburgo Futebol Clube, em versos de trova: “As moças todas de improviso, formosas vêm nos ofertar, a flor gentil do seu sorriso, a doce luz do seu olhar”.


Mas o futebol era somente glamour? Como todo esporte, o futebol iniciou sua prática entre rapazes de classes abastadas, excluindo os remediados, ou seja, as classes populares. Porém, a classe operária de Friburgo, que não poderia participar do Friburgo Futebol Clube, seleto club da high society friburguense, quando este se fundara, logo reagiu e formou o Esperança Futebol Clube. O fato de ter surgido um time de operários surpreende, pois o futebol nesta época era um esporte exclusivamente praticado pela elite. Ulteriormente, quando o Friburgo Futebol Clube passou a aceitar membros das classes populares e negros, um determinado grupo se desligou do clube e fundou o Fluminense Futebol Clube. Outra situação envolvendo a intolerância racial ocorreu com o Esperança. Este clube escolhera inicialmente o nome de União e suas cores pretas e brancas. Mas o preto logo despertou a ironia e o sarcasmo por parte de um árbitro. Como havia muitos mulatos no time, ele associou a disposição das cores preta e branca à mulatice dos jogadores, dizendo: “Preto que quer ser branco, não é nem uma coisa nem outra.” A expressão do árbitro passou a ser motivo de galhofa dos adversários e daí o clube mudou o nome para “esperança” e adotou as cores verdes e brancas.


Somente a partir de 1950, foi que o futebol se democratizou, não havendo mais tensões entre classes sociais e igualmente entre etnias. Foi a Rádio Cipó que incrementou o futebol na cidade na voz de locutores como Rodolfo Abud, com os programas “Resenha Esportiva” e “Esportes no Ar”. Premiavam-se os melhores jogadores do ano. O futebol faz surgir um jornal esportivo na cidade, de propriedade de Dante Lívio, que circulou por pouco tempo. Nas resenhas esportivas dos jornais a terminologia era inglesa: sport, team, match, corner, scratchman, placard, club e é óbvio football. Afinal, são os ingleses os pais do futebol e que o trouxe ao Brasil.


Em 1979, o futebol em Friburgo se profissionaliza. Promove a fusão do Fluminense com o Serrano e torna-se o Friburguense Atlético Clube, atualmente na primeira divisão do Campeonato Carioca. No entanto, a profissionalização lamentavelmente extingue os demais clubes de futebol, pois os campeonatos da cidade ficaram desarticulados. Desaparece a cultura do futebol da cidade, ou como definiu Ângelo Ruiz os “clubes da terra”, onde os jogadores saíam das fábricas, do comércio, dos bancos e se transformavam em celebridades na cidade, tendo alguns inclusive “fãs”. O futebol local desapareceu e as cores dos outrora clubes, um verdadeiro arco-íris, se esmaecem. As vozes das famílias, os “hurras” e os fogos de artifício das torcidas nos campos de futebol se calam. O Friburgo Futebol Clube, o “primo rico do futebol friburguense”, se fundiu com o Esperança dando origem ao Nova Friburgo Futebol Clube, em 16 de setembro de 1979, completando 30 anos. Este clube conta atualmente com um expressivo patrimônio, possuindo além do campo e sede com 10.000m² no centro da cidade, uma vasta área social de 50.000m² em Conselheiro Paulino, com parque aquático. No entanto, o campo de sua sede esportiva no centro da cidade transformou-se em estacionamento e o seu maior patrimônio, o seu time de futebol, não existe mais.

Mas a história do futebol em Friburgo nos deixa uma lição. Muitas vezes, divertimentos inocentes, como a formação de clubes de futebol, reproduzem as relações sociais de uma cidade. É possível que “cidade partida” entre ricos e pobres, negros e brancos, depois se desdobrando em bairrismo, fosse um reflexo da sociedade friburguense à época. Levavam para os clubes de futebol os conflitos de classe e preconceitos, sem qualquer fairplay. Em 1914, quando surgiu o primeiro time, explodia a primeira guerra mundial e em Friburgo, concomitantemente, se travava nos campos de futebol, um verdadeiro Campo de Marte, uma batalha contra o preconceito e a intolerância. Mas não foi possível levar adiante este aparthaid social. Três décadas depois de formados os primeiros clubes, o futebol aproximou a todos, misturando-se raças, derrubando barreiras sociais, reunindo as famílias, atraindo as mulheres e implodindo a arquitetura daquilo que Zuenir Ventura chamou de “cidade partida.”



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